CARREIRA E DIMENSÕES DO “STATUS”
Guilherme Patrus M.Pena
…Por mais que estejamos satisfeitos com nossa situação de vida – o chamado status quo – é muito comum que nos perguntemos se estamos realmente felizes e se há alguma mudança que possamos implementar em busca de um melhor resultado, seja no próprio trabalho ou no encaminhamento da vida pessoal.
…Estas dúvidas e questionamentos são até salutares, considerando que é a partir da auto-análise e da permanente confrontação de opções que amadurecemos o nosso processo de tomada de decisões. E sempre estamos à procura das respostas certas, que nos garantam não só o bem-estar presente, mas também a expectativa de um futuro melhor – a progressão na empresa, o reconhecimento do mercado, uma aposentadoria tranqüila.
…Esta foi a inquietação que dominou a conversa que tive com Ana, uma colega de trabalho, durante aqueles poucos minutos de relaxamento no intervalo do almoço, um dia desses. Lembrávamos de Paulo, um amigo comum, um jornalista apaixonado por cinema, que teve uma atitude de companheirismo que muito ajudou a minha colega, no início de sua vida profissional. Além de jornalista, ele foi um excelente crítico de cinema e fez vários roteiros para documentários e vídeos empresariais, além dos filmes “autorais” nos quais se aventurou. “Onde estará ele?”, indagou a minha colega, deixando escapar a suspeita de que a vida profissional não lhe dera a posição e o reconhecimento que nosso antigo amigo merecia.
…Será mesmo que a vida é tão injusta assim? A resposta é afirmativa se formos todos movidos pelo que o filósofo Alain de Button chamou de “status anxiety”, ou a a ansiedade do status. A hipótese contrária nos leva a supor que, se o nosso amigo cumpriu os desafios a que se propôs, realizou os projetos que desejou e colecionou boas experiências de vida ao longo da carreira, entre elas o afeto da minha querida amiga, ele cumpriu sua missão profissional, construiu uma reputação entre os que o conheceram (nada a ver com a fama efêmera das celebridades de hoje) e certamente terá imenso prazer de trocar pelo menos um minuto de prosa se vier a se encontrar com um de nós, furtuitamente, na rua. Em outra palavras, combateu o bom combate, encerrou a carreira e guardou a fé, como aconteceu a outro Paulo, o que foi apóstolo de Cristo.
…Eu ainda pensava nesta conversa quando, de volta à sala, comecei a folhear uma revista (IstoÉ, de 24/11/2004) e me deparei com uma destas adoráveis seções de frases. Lá estava a pop star Madonna, louríssima e risonha, declarando: “Adoraria ser mais desprendida do meu ego. Mas, se não fosse o meu ego, jamais chegaria onde cheguei”.
…Por um instante, meu pensamento girou e reforçou a convicção de que, para chegar a ser alguém, no sentido superlativo do mundo supercompetitivo, com muita fama e dinheiro, como uma Madonna, é realmente necessário ter um ego que desconheça a modéstia, a humildade, o prazer das grandes e pequenas realizações anônimas, o gosto pelo sucesso coletivo. Além de ter muita obstinação e o indispensável talento, é óbvio.
…Não me ative muito nesta reflexão, afinal tinha outras coisas mais importantes a pensar e muito a fazer naquela tarde. Mas, além de indisciplinado, sou um leitor compulsivo e, na página seguinte da revista, lá estava o retratinho do empresário Pedro Paulo de Souza, o ex-poderoso dono da construtora Encol, que em 1997 foi responsável por uma fraude bilionária, transformando em pó o sonho da casa própria (e a suada poupança) de milhares de pessoas, em todo o Brasil. Hoje, aos 69 anos, ele está sem dinheiro, deprimido e com a reputação na lata de lixo, impedido pela Justiça de sair de Goiânia, onde mora. “Perdi tudo, não tenho mais tempo para recomeçar” – é a frase dele.
…Os exemplos são extremos e não podem ser comparados, mas servem para induzir a reflexão sobre a vida e suas vicissitudes. As fabulosas, como no caso de Madonna, e as trágicas, como a história do dono da Encol, que caiu em desgraça e ainda espalhou sofrimento. Aliás, é para provocar a reflexão que servem as seções de frases dos jornais e revistas, como um mosaico da natureza humana.
…No nosso caso, porém – o meu, o da minha amiga Ana e certamente o da maioria de vocês – é pouco provável que tenhamos a chance de construir uma biografia triunfante como a de um pop star ou dramática como a de um mega-empresário falido (e olha que o mundo dá voltas – Michael Jackson que o diga!). Nós, a grande maioria, da qual o jornalista-cineasta Paulo é um ilustre representante, conduziremos a nossa vida em busca de um porto seguro, com mais ou menos riscos, maiores ou menores conquistas, mas sempre conquistas.
…Felizmente, graças à variável aleatória das fórmulas econômicas, a correlação direta entre riscos e resultados não é uma verdade absoluta. Se a progressão na carreira é diretamente proporcional ao status que se adquire, há uma outra dimensão que independe do sucesso.
.
…Guilherme Patrus M. Penna é jornalista, assessor de imprensa da Fiat Automóveis, foi editor de Carreiras e Recursos Humanos na Gazeta Mercantil e no Grupo Catho. gpmpena@uol.com.br
Deixe um comentário