Encarar o desafio de ajudar uma organização a transformar-se vai muito além de pensar em estratégias, condicionantes de mercado e indicadores
Pode não parecer à primeira vista, mas a enorme dificuldade que muitas empresas enfrentam na condução de grandes e complexos processos de transformação corporativa tem muito a ver com o ego. Pelo menos é isso o que eu tenho visto ao longo de minha trajetória executiva.
Talvez a única ferramenta capaz de amenizar a má influência que o ego tende a ter numa situação como esta é o autoconhecimento.
Deixando claro que a visão aqui exposta não serve como panaceia para todos os problemas ligados a um processo de transformação empresarial, gostaria de trazer a perspectiva de alguém que está passando por um processo de autodesenvolvimento há pelo menos três anos e que tem aprendido, ao longo desta jornada, a entender a natureza humana através da influência que o ego tem no comportamento das pessoas.
Encarar o desafio de ajudar uma organização a transformar-se vai muito além de pensar em estratégias, condicionantes de mercado, indicadores. É preciso trabalhar o engajamento, o comportamento das pessoas.
Ou seja: ter dinheiro é importante, contar com uma estratégia é fundamental, mas é preciso comprometimento do ser humano, engajamento. E na medida em que a sua empresa conta com lideranças “egocêntricas”, que deixam de considerar as variáveis humanas (frustrações, medos, desejos, os “personagens” que vivemos), a probabilidade de que as coisas não deem certo é muito grande.
Quando digo que o autoconhecimento é a ferramenta que pode suavizar esse desafio é porque realmente acredito que não seja possível conduzir grandes processos de mudança nas organizações sem que, primeiramente, o líder se conheça profundamente.
Ora, você vai colocar em marcha uma transformação empresarial, mudar a orientação de uma empresa, trabalhar um mercado mais voltado ao varejo, por exemplo, buscar ter mais capilaridade de vendas em determinada região. Isso requer um novo perfil de liderança, tomar medidas, muitas vezes, impopulares. E requer o autodomínio para não cair na “tentação” da arrogância, da soberba, de achar que efetivamente as pessoas são manipuláveis.
Quanto maior o autoconhecimento, maior a credibilidade e melhor o exercício do “bom julgamento”, sendo desprovido da necessidade de autoafirmação, do status.
Cada vez mais tenho visto que as pessoas da base da organização olham para cima e esperam coerência entre o que está sendo dito e o que está sendo percebido nas várias áreas da organização.
Se você anuncia uma medida impopular (porque vai mexer, eventualmente, no plano de benefícios), mas o colaborador sabe que você (líder) continua a usufruir das mesmas benesses corporativas, não há como engajar esse profissional.
Estamos vivendo um momento em que o cenário empresarial brasileiro tem sido brutalmente desafiado. Refiro-me aos modelos tradicionais de negócios, que estão dando alguns sinais de esgotamento.
Nessa esteira, sempre digo que para liderar grandes transformações não adianta ter apenas uma boa consultoria ao seu lado para tratar da estratégia.
Se você não tem líderes que sejam capazes de conectar as pessoas em torno dessa agenda de transformação e criar as condições para que as pessoas se sintam à vontade para conversar e perceber o ser humano por trás daquele líder, as coisas ficam muito difíceis.
Não podemos esquecer: as vulnerabilidades constroem pontes de relacionamento. Executivos não são super-homens, a perfeição encarnada, mas pessoas normais, com medos, ansiedade, sonhos, desejos e frustrações. Eles não são as máscaras que o ego quer que sejam percebidas.
Nessa jornada, tenho investido no exercício da terapia, das constelações sistêmicas, e quanto mais eu investigo a raiz dos problemas que aflige os seres humanos, mais percebo a importância de que nós, efetivamente, nos desapeguemos dessas máscaras que o ego nos coloca.
Se quisermos conectar o coração e a mente das pessoas em torno de uma causa relevante, é fundamental que mostremos quem, de fato, somos.
É por meio dessa “desconstrução” do ego que conseguiremos, penso, aumentar as chances de se trabalhar o engajamento de maneira sustentável e de forma mais verdadeira nas organizações. A partir daí, a condução de um processo profundo de transformação corporativa passa a ter boas chances de sucesso.
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Este artigo foi escrito por Americo Figueiredo, diretor voluntário do Instituto Ser+.