Ninguém nos ensina a envelhecer


Por ADRIANA GOMES
Talvez por isso o medo da senioridade. As sociedades pré-capitalistas se orientavam essencialmente para o passado e essa orientação, de certa forma, garantia uma relativa estabilidade dos usos e costumes assimilados e que mantinham de geração para geração. Agnes Heller*, afirma que: “os filhos imitavam os pais, os netos imitavam os avós. Os velhos eram os que melhor conheciam as experiências do passado e os mais capazes de resumi-los de modo útil.”
Entretanto nossa sociedade, orientada para o futuro, traz a possibilidade de produção indefinida e produz no homem a necessidade de modificar-se permanentemente, de renovar-se e transformar-se. Essa necessidade de novidade, a necessidade de transformarmos constantemente tanto a sociedade quanto a nós mesmos, é uma das maiores conquistas da história humana. Porém, com a crescente alienação, também essa conquista converte-se em seu contrário. A orientação para o futuro termina por transformar-se em moda e consequentemente o velho perde seu valor de referência.
A vida nos consome com a constante necessidade de atualização e os diários “deliverys” e, não raro, as pessoas são pegas de surpresa quando são solicitadas a fazer as contas sobre quanto tempo estão na mesma empresa, em um determinado relacionamento ou mesmo quando contabilizam o tempo de formadas.
São surpreendidas quando, num dia qualquer, sem nenhum aviso ou até negando os pequenos sinais do tempo, começam a notar alguma dificuldade para fazer a sua leitura semanal. A visão dando os primeiros sinais de cansaço – geralmente negados, desculpe o trocadilho, à primeira vista.
Somos “adestrados” desde pequenos para ingressar no mundo do trabalho. Para isso, há um longo condicionamento que começa com os primeiros anos da escola: acordar cedo, assumir responsabilidades com horários e prazos de entrega. Somos induzidos a acreditar que se fizermos “tudo direitinho”, o futuro nos brindará com uma carreira bem sucedida e teremos uma velhice tranquila e digna.
Bem, a história nem sempre tem essa bela trajetória. Não falarei da trajetória hoje, apenas do final dela. Mesmo que tenha sido assim, bonita e bem sucedida, o período de desligamento, a aposentadoria, regulamentada por lei e concedida por idade, tempo de serviço ou invalidez, é um período complexo e delicado, para o qual não há preparo.
As pessoas serão obrigadas, na maioria das vezes, a lidar solitariamente com as fortes emoções que esse período traz, como a angústia, a solidão, a falta de sentido e propósito de vida, a exclusão social e o sentimento de inutilidade.
Segundo pesquisa do site Vida e Carreira, realizada com 222 pessoas no período de Janeiro a Março de 2010:

O que você pretende fazer a partir da sua aposentadoria?
  Response Percent
Ter um negócio próprio. 35,7%
Viajar e conhecer o mundo. 47,4%
Adquirir uma franquia. 6,6%
Viver na praia ou no campo. 24,0%
Continuar a vida sem maiores mudanças. 23,5%
Estudar no exterior por prazer. 7,7%
Curtir meus hobbies. 37,8%
Fazer cursos diversos. 33,7%

Os índices são interessantes. Como a média de idade dos respondentes está entre os 18 e os 40 anos – até 30 anos (27,1%) e de 31 a 40 anos (29,4%) -, a pesquisa ainda retrata uma fase jovem da vida profissional. Os sonhos de aposentadoria retratam o desejo de viajar e conhecer o mundo em primeiro lugar (47%), depois curtir hobbies (37,8%) e em seguida o desejo de não parar de trabalhar, ou seja, montar negócio próprio (35,7%).
A realidade é que segundo o IPEA, mais de 30% dos aposentados ainda trabalham. Seis em cada dez famílias são sustentadas pelos aposentados, que além de manter familiares que estão em idade economicamente ativa, ainda concorrem no mercado de trabalho com jovens e adultos que também sofrem com o alto índice de desemprego.
O brasileiro está vivendo mais e melhor, com mais qualidade de vida. Aos 65 anos ainda é saudável e capaz para o desempenho profissional. Porém o preconceito e a falta de políticas públicas e organizacionais cuidam de minar o processo de desenvolvimento profissional. O trabalho “clandestino” é a melhor opção para que esse contingente populacional sobreviva dignamente emocional e fisicamente.
O trabalho constitui o homem. Passamos mais tempo na relação de trabalho do que em qualquer outra relação. Crescemos ouvindo que é preciso trabalhar. Mas o que se faz quando é suprimido o direito de trabalhar mesmo que ainda se tenha saúde física e mental. O que fazer quando ainda há vontade de contribuir socialmente através do trabalho? Não é só uma questão de fazer um trabalho voluntário, mas a remuneração também é um estímulo, senão, em muitos casos, uma necessidade.
Não é um caso simples de se resolver, entretanto. Em breve não seremos mais um país de jovens, a nossa pirâmide etária está diferente de 30 anos atrás e isso faz com que precisemos pensar sobre essa questão hoje.  É uma miopia social tratar a pessoa de idade como um inválido incapaz, como se o seu conhecimento acumulado fosse desprezível.
Estima-se que, apenas entre 1980 e 2000, deixaram de nascer aproximadamente 35 milhões de crianças no Brasil. Pelo menos outros 35 milhões nasceriam entre 2000 e 2010 se os níveis de fecundidade de 1980 tivessem permanecido constantes desde então. Por sua vez, o contingente de idosos brasileiros, aqui entendido como a população acima de 65 anos, aumentou em torno de 3,7 milhões entre 1980 e 2000.
Há muito que fazer. Aos profissionais voltados às áreas de RH nas organizações, também aos orientadores de carreira e mesmo aos profissionais da área da saúde e educação, há um grande mercado abrindo as portas. Aqueles que tiverem visão e perceberem as possibilidades e oportunidades relacionadas que se preparem, pois há muito por ser feito junto aos profissionais seniores.

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