Oratória, um exercício de persuasão

oaquim Maria Botelho
Jornalista, escritor e professor

  Uma apresentação é, antes de tudo, uma composição estética. A pessoa que fala deve soar agradável, sua presença deve proporcionar agradável sensação visual, e seu discurso deve causar boa impressão às pessoas da platéia. Nessa relação estética, deve haver uma aproximação evidente entre o objeto do discurso e o ouvinte.
Mas uma apresentação é, também, uma prestação de serviço à audiência. Por este motivo, reveste-se de importantíssimo aspecto utilitário. Em cada oportunidade, sempre única, de haver à disposição pessoas com quem compartilhar idéias, o orador deve aproveitar, usufruir do momento e torná-lo útil para si mesmo, e para a platéia. Quantos são os artistas que têm o que dizer, mas lhe faltam palcos e audiências?
O apresentador será, no momento do discurso, um artista, com a função social de fazer um relato do seu tempo. Cada discurso, então, deverá ser um relato privilegiado, exclusivo e único, expressando sobre o tema abordado informações que as pessoas da platéia não puderam captar ou materializar de outras fontes.
Constantin Stanislavski , já em cadeira de rodas, disse uma vez a dois de seus alunos que foram vê-lo em Moscou:
– Não me copiem. Adaptem-me. Os artistas, e de resto todas as pessoas, têm que aprender a pensar por si mesmas e descobrir novas formas.
Esta lição resume a função do orador, em um discurso. Ele deve ousar, deve criar, mas deve ser único, e deve ser útil.
Ao mesmo tempo, o apresentador respeitará os condicionamentos culturais de seu público, todos os envolvimentos trazidos pela ambientação, as limitações definidas pelo tema, e as regras da boa comunicação.
Este é o conceito básico a ser seguido para estruturar um discurso: apresentar os argumentos sob a forma de dados informativos que chamem o público à razão, e assim o convença. Sem medo. Não há razão de ter medo de fazer uma apresentação, porque se o conteúdo é bom, basta que o formato do discurso seja trabalhado para estabelecer a relação estética com a platéia.

 Peggy Noogan foi redatora de discursos para vários presidentes dos Estados Unidos. Ela inicia um de seus artigos com uma observação irônica:
“A mente é algo maravilhoso. Começa a funcionar no minuto em que você nasce e não pára de funcionar… até o dia em que você tem que falar em público.”

  A limitação pode ser verdade para muita gente, mas estou certo de que falar em público é uma técnica que se aprende, e que a prática transforma em sucesso efetivo. Você pode falar em público. Basta se preparar, estar atento, aprender e praticar. Desde que você descubra o prazer de falar em público. O prazer elimina o medo. Porque, e simplesmente porque, o que causa o medo é a ausência do prazer.

  Observe este exemplo de tirocínio, entre duas pessoas que estavam proferindo discursos informais, um para o outro, e como se saíram bem:

  Um empresário saiu de São José dos Campos (cidade do interior do Estado de São Paulo, a cerca de 100 km da capital), no seu aniversário, e foi jantar em São Paulo. Quando o maïtre perguntou se estava satisfeito com a comida, ele comentou:
– Tenho que estar! Eu vim de São José dos Campos somente para jantar aqui!
– Isso não é nada – respondeu o maïtre, sorrindo. – Eu vim especialmente da França para servir o senhor.

  Cada um desses dois personagens estava feliz ao se comunicar. Estabeleceu uma ligação de prazer entre o raciocínio, a exposição das idéias, a observação do outro e a resposta que recebeu – que por sua vez o incentivou a criar um novo discurso para prosseguir a conversa, inteligentemente, alegremente. Em suma, com prazer.
Há um tipo específico de discurso, utilizado para o convencimento e para a sedução. É o discurso emocional.
Quando se quiser que um homem inculto mude de opinião, deve-se transplantá-lo de um lugar para outro. O emissor da mensagem seduz quando transporta o receptor para o seu universo. Assim, seduzir é, em certo sentido, desvirtuar. É o que acontece com o orador. Quando quer convencer o seu público, deve transportá-lo ao seu imaginário, fazê-lo enxergar o que ele quer que enxergue. Manipula a platéia, esse orador, com bons ou maus propósitos, e essa é uma amostra do poder do orador. Com o artifício da sedução, conduz a platéia, que ao seu comando chora, ri, pensa, cala. Reage. Pura sedução.
O primeiro ponto que nos parece característico e essencial do discurso que vise à sedução é a sua comunicação orientada fundamentalmente para os sentidos e os sentimentos, e não para a razão. Desta forma, o discurso sedutor não respeita necessariamente os padrões da lógica formal pois não visa à demonstração e sim à argumentação. Na demonstração, o discurso é aparentemente mais simples, porque trata da lógica formal e insofismável – qual é a dificuldade de convencer uma platéia de que dois e dois somam quatro? No entanto, na argumentação, surge a dificuldade de definir qual o caminho para o convencimento: há muitas teses que podem se escolhidas, e aí a vitória do convencimento dependerá da forma com que o encadeamento do discurso venha a atingir e a envolver o receptor da mensagem.
Neste ponto, não estamos ainda tratando de conteúdo, mas da forma. Há que se fazer uma discussão paralela, e prioritária, em nossa opinião, sobre os conceitos éticos envolvidos na mensagem.
Mas este é um outro assunto.

Falávamos de técnica

  O discurso sedutor deve ser agradável, baseado em recursos como palavras carregadas de poesia e metáforas. Por ser sinestésico, não deve demonstrar preocupação com a concisão e a objetividade; ao contrário, deve ser subjetivo e estender-se ao tempo que for necessário à exposição mais rebuscada e ornamental possível daquilo que está sendo dito. Deve ter mais sonoridade que concatenação. Isto não quer dizer discurso vazio.
Quer dizer forma elaborada. E a aparente ausência de concatenação, que o orador cuidará de suprir inteligentemente, fazendo confluir as idéias para um final grandioso, atuará como fator surpresa e encantará a audiência. Como todos, um discurso sedutor precisa de começo, meio e fim.
É sedutor, por exemplo, o discurso dos advogados nos tribunais do júri. Lacrimoso, muitas vezes. Chocante, quase sempre. Dramático. Insidioso. Ambíguo. Torto como o anjo esquerdo de Drummond.
O discurso sedutor é um excelente instrumento de comunicação. E é tanto mais eficiente quanto mais se utiliza o estímulo aos sentidos, aos sentimentos e à imaginação do receptor. Na utilização das palavras com o fim de seduzir, o emissor deve procurar ordená-las e dar-lhes forma que leve o receptor a recriar em sua mente aquilo que ouve. É como o desafio do radialista que tem que fazer com que o seu ouvinte “veja” o que ele está narrando, sem contar com o recurso típico da televisão, que é a imagem. O desafio daquele que busca seduzir pelo discurso consiste em fazer das palavras imagens, o que é obtido por meio de detalhadas descrições.
Veja-se, por exemplo, o que disse um parlamentar inglês, num discurso feito na tribuna da Câmara dos Lordes. Ao lamentar a aprovação de uma lei que julgava injusta, disse:

“Se as pessoas soubessem como são feitas as salsichas e as leis,
não comeriam as primeiras e não obedeceriam as segundas.”

 Ao ouvir isto, certamente terá passado pela cabeça do ouvinte tudo o que de horroroso já tenha ouvido falar do processo de fabricação das salsichas, ou imediatamente imaginou aspectos desagradáveis da produção, mesmo que não tenha ouvido até aquele momento nada que desabonasse o processo. Com esta imagem suja em mente, a ligação com a sujeira relacionada às leis e que o autor da frase sugere, o ouvinte se choca e tende a concordar, mesmo sem saber porque concorda.
Até mesmo a ausência da palavra pode ser maneira extremamente eficaz de aplicar a sedução nos receptores do discurso. Calar-se é também um processo de comunicação. O silêncio predispõe. O silêncio aciona um estado de alerta, para o bem ou para o mal. O silêncio acumplicia. O silêncio envolve. O silêncio acoberta. O silêncio é, portanto, um signo, com significados que variam de acordo com o contexto, a forma e o momento do discurso em que se inserem. Eis a importância da pausa.
Dentre os romanos surgiram alguns dos maiores poetas e oradores de todos os tempos. Névio e Cícero, por exemplo. Um axioma romano aproxima os dois mas mostra bem o que queremos dizer neste livro: o poeta nasce pronto; o orador precisa ser preparado (Poeta nascitur, orador fit).

  Portanto, leitor, mãos à obra. Estudando você encontrará caminhos úteis para suplantar o que considera limitante da sua capacidade de falar em público.

  Joaquim Maria Botelho é Jornalista com passagem pela TV Globo (chefe de reportagem), TV Bandeirantes (editor-chefe), Revista Manchete (chefe de reportagem) e jornal ValeParaibano (diretor de redação), além de grandes empresas como a Embraer e a Secretaria de Estado da Educação, como coordenador de comunicação e imprensa. Tem especialização na University of Wisconsin, EUA, em Jornalismo Internacional. Mestre em Literatura e Críitica Literária pela PUC/SP. Foi professor da Faculdade de Comunicação Social da Universidade de Taubaté.
Traduziu vários livros para a Global Editora e Editora do Pensamento. Co-autor da biografia da cantora Vanusa para a Editora Saraiva e co-autor do livro Gerenciamento da Carreira do Executivo Brasileiro. É membro da União Brasileira de Escritores. Dá cursos e presta consultoria a empresas em planejamento estratégico de comunicação.
Contatos: jmbotelho@uol.com.br

Deixe um comentário