Por Sarah Américo para a Jovem Pan News
com a colaboração de Adriana Gomes
Especialistas alertam que há uma questão política e econômica por trás desses benefícios e apontam que, no Brasil, essa medida é possível, porém é preciso focar em educação e políticas públicas
Duas mudanças na forma de trabalho na Europa ganharam destaque recentemente: a implementação da semana de quatro dias no Reino Unido e a licença menstrual para as mulheres na Espanha. Ambas as medidas têm como principal objetivo melhorar o bem-estar dos colaboradores e aumentar a produtividade. Segundo Joe O’Connor, CEO da 4 Day Week — projeto responsável pela redução da jornada de trabalho — “à medida que emergimos da pandemia, mais e mais empresas estão reconhecendo que a nova fronteira para a concorrência é a qualidade de vida”, o que faz “o trabalho com uma jornada reduzida e focado na produção ser uma forma de dar a elas uma vantagem competitiva”.
Pixabay/Kai Pilger
Cerca de 70 empresas adotaram o projeto piloto da semana de 4 dias no Reino Unido
O projeto vai durar seis meses e começou a ser implementado na segunda-feira, 6, em 70 companhias do Reino Unido, e 3.300 colaboradores vão participar do piloto. Juliet Schor, professora de sociologia do Boston College e pesquisadora principal do piloto, explica que, durante esse tempo, eles vão analisar como “os funcionários respondem a um dia extra de folga em termos de estresse e esgotamento, satisfação no trabalho e na vida”. Desde do início de 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a considerar como doença o Burnout — fenômeno ligado ao trabalho e que desgasta o profissional. Esse experimento tem como objetivo combater esse fenômeno que cresceu durante a pandemia. Entretanto, ele não é uma novidade: outros países já adotaram essa medida em seu dia a dia, como Emirados Árabes, Islândia, Bélgica, Estados Unidos e Japão.
Entretanto, apesar de prezar pelo bem-estar profissional e pela produtividade, Schor considera que esse não será o único benefício. “A semana de quatro dias é geralmente considerada uma política de dividendos triplos, ajudando funcionários, empresas e o clima”. Os especialistas vão além e falam que essa alteração também tem a ver com a questão econômica do país. Jouberto Cavalcante, professor de diretos trabalhistas do Mackenzie, fala que esse assunto não é nada novo e está presente há tempos na sociedade porque “os trabalhadores passaram a revindicar alguns benefícios, entre eles a jornada de trabalho”. Isso está associado ao fato dos “Estados não terem mais força contra o poder econômico que passou a ditar as regras, já que os países não conseguem avançar nos direitos sociais”, explica Cavalcante, acrescentando que, quando o trabalhador tem mais tempo, ele consegue se dedicar a outras funções que vão além do seu próprio bem-estar. “No Japão a proposta foi econômica. Você reduz a jornada e fomenta a economia”, aponta, ao lembrar que houve incentivo para que “os japoneses fizessem pequenas viagens e saíssem e passeassem mais”. “Não é algo pensando só no bem-estar”, finaliza.
Um cenário parecido acontece quando o assunto é a licença menstrual. Há quem defenda e fale que se trata de uma forma de igualdade para as mulheres. Entretanto, também existe um debate sobre como pode dificultar a contratação dessas profissionais pelo fato delas terem mais um benefício. Para Adriana Gomes, gerente de carreiras da ESPM, esse assunto está associado a uma política pública e vai complicar a contratação de mulheres porque já há uma lei que diz que, quando a pessoa tem alguma doença, ela pode se afastar do trabalho, e isso deve ser implementado para quem sofre com uma menstruação mais grave. A ginecologista Erica Mantelli afirma que esse decreto será válido para mulheres que possuem uma menstruação dolorosa e que provavelmente apresentam quadros de endometriose e adenomiose. Ela afirma que, mais do que um projeto de lei, é necessária uma conscientização sobre a “menstruação dolorosa” e que não se deve normalizar esse tipo de problema. “A menstruação é um fenômeno fisiológico e não deve ser mais um estigma”.
A pandemia incentivou algumas mudanças na forma de trabalho, como o home office e o trabalho híbrido, e elas tendem a ser ainda mais comuns. Fabíola Marques, professora de direito trabalhista da PUC, afirma que cada vez mais teremos mudanças muitas delas estão associadas ao crescente desenvolvimento da tecnologia e à nova geração. “Vão acontecer de forma mais rápida, e é uma tendência, um caminho sem volta”, aponta. Adriana Gomes concorda. Para ela é “importante estarmos atentos ao que acontece no mundo, e a pandemia trouxe uma quebra de paradigmas”. Ed Siegel, CEO do Charity Bank, que está participando do piloto da 4 Day Week, é um entusiasta dos trabalhos mais flexíveis. Ele conta que há tempos defende esse estilo, porém, “a pandemia realmente mudou as balizas”. O CEO faz uma contextualização e diz que “o conceito do século 20 de uma semana de trabalho de cinco dias não é mais o mais adequado para os negócios do século 21”. Siegel acredita que uma semana de quatro dias sem alteração de salário ou benefícios criará uma força de trabalho mais feliz e “terá um impacto igualmente positivo na produtividade dos negócios, na experiência do cliente e na missão social”.
Para o neurocientista Fabiano Abreu, “folga demais perde o ritmo e adapta o cérebro, que opta pela economia de energia”. Ele defende que “uma ou duas folgas de forma alternada num determinado período são necessárias para a homeostase do organismo”. Quanto questionado sobre o aumento da produtividade com a redução da jornada de trabalho, Abreu aponta que isso varia de pessoa para pessoa porque “tem cérebros que conseguem uma eficácia que em pouco tempo resolvem o que outros não conseguem”. O especialista também aponta que não é só a flexibilidade que faz com que as pessoas aumentem sua produtividade. Também existem outros pontos que precisam ser trabalhados pelas empresas, como otimização e administração do tempo, possibilidade de crescimento, investimentos em cursos e horários e espaços flexíveis.
Os especialistas divergem do posicionamento sobre a implementação de uma semana de quatro dias no Brasil. Para Cavalcante, é difícil que essa medida seja adotada aqui. Segundo ele, no país “não terá jornada reduzida”. Adriana acha que dá para sonhar com esse cenário, apesar de demorar um tempo para ele se tornar realidade. Contudo, ela cita fatores importantes que precisam ser considerados. “Se isso for uma lei, complica muito por causa da discrepância que temos”. Diferentemente dos países onde estão sendo testados esse método, “no Brasil temos um índice de desemprego muito alto relacionado à falta de qualificação”. Fabíola caminha para o mesmo raciocínio. A professora diz ser possível adotar esse tipo de serviço e acredita que seja uma saída para diminuir a quantidade de desempregados. Porém, para isso, é necessário investimento em “educação, tecnologia para que os colaboradores tenham capacidade de adotar esse mercado novo que está surgindo”.
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