Ao contrário do varejo tradicional, o setor voltado para fãs de histórias em quadrinhos e ficção científica está faturando alto – e tem vagas abertas
Há muito tempo, numa galáxia muito, muito distante… produtos voltados para o segmento geek eram vistos como um mercado para iniciados.
Mas, nos últimos anos, o nicho se expandiu e está atraindo o público geral. E esse parecer sre um movimento natural. “Toda e qualquer manifestação, prática ou texto cultural pode se transformar, sair de um nicho e alcançar um lugar de maior centralidade e destaque”, diz Mônica Rebecca Ferrari Nunes, professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo (PPGCOM) da ESPM, de São Paulo.
“Talvez a expansão da cultura geek tenha a ver com o desejo de experiementar um mundo mais livre”, afirma a pesquisadora.
Soma-se a esse sentimento a leva de filmes blockbusters voltados para a temática de super-heróis que chegam sem parar aos cinemas nos últimos anos.
“O que até então era visto como nicho, hoje é o que há de mais hypado. Das 12 maiores bilheterias de 2014, 11 eram de filmes de fantasia e ficação científica”, diz Matheus Machado, CEO da Mundo Geek, que comercializa produtos do universo nerd, e que, em 2012, trocou uma carreira como economista no Bradesco para atuar nesse setor.
O cenário de crescimento ajuda a dar visibilidade para personagens que já nascem com poder de venda forte, “O mercado de colecionáveis de cultura geek cresce como um todo, mas, com a vinda de Eventos como a Comic Con para cá, esse setor se profissionaliza, pois o público busca produtos oficiais em vez de piratas”, diz Renan Pizii, proprietário da Piziitoys, a maior importadora de colecionáveis do país, que representa 15 empresas no Brasil.
Ele também está à frente da Iron Studios, que têm a licença para produzir imagens de marcas como DC Comics, Marvel, Disney e saga Star Wars.
De 2014 para 2015, Renan viu as vendas crescerem 12%, o que o motivou a abrir a segunda loja no Shopping Eldorado, em São Paulo, no ano passado para dar conta da demanda.
Para este ano, a expectativa é manter o faturamento e continuar estudando a abertura de novas lojas em Brasília, Curitiba, Rio de Janeiro e Fortaleza. “Não é uma mercado sólido ainda, mas, em época de crise, ele consegue se quilibrar, pois ainda está em ascensão”, diz Renan.
Formado em publicidade, Renan sempre gostou de produtos colecionáveis e começou a revendê-los em 2005. Fechou o negócio de revenda e abriu uma importadora e distribuidora em 2007.
A produção própria de licenciados veio em 2011 com a abertura do Iron Studios, que possui cerca de 70 produtos. O alvo é o mercado consumidor da América Latina, mas a ideia é ampliar a licença de alguns produtos para vendê-los em outros países ainda este ano.
A empresa conta com uma média de quatro funcionários por loja, mas as possibilidades de atuação são amplas: vão do estoquista a artistas e escultores 3D.
“Queremos mais artistas”, diz Renan. “Por enquanto temos contratado chineses, pois nossa produção é feita lá, mas pré-produção e elaboração de um projeto novo é feita no Brasil”.
A loja Riachuelo também entrou na onda dos licenciados com produtos de Star Wars, aproveitando a demanda trazida pelo lançamento de mais um filme da saga no final do ano passado.
Na varejista, há camisetas, tênis, almofadas, lingeries e lençóis com a cara do vilão Darth Vader. “Licenciamento sempre vendeu bem, mas o último filme trouxe um resultado ainda melhor”, diz Marcella Kanner, gerente de Marketing da Riachuelo.
Em uma semana, 70000 peças foram vendidas, volume que era esperado para um mês inteiro.
Na Livraria Cultura, a lógica é a mesma. Para aumentar a exposição desses produtos e a capacidade de realizar eventos, a marca está migrando seu espaço Geek.etc.br no Conjunto Nacional, em São Paulo, para um espaço maior.
Desde 2012, todas as lojas da empresa passaram a receber uma área dedicada a esse segmento.
“Esse movimento foi impulsionado pelo mercado de videogames”, diz Igor Oliveira, coordenador dos projetos Geek.Etc.Br, da Livraria Cultura.
O aumento do dólar prejudicou um pouco as vendas, mas o grande volume de lançamentos de games neste ano deve ajudar.
Passando de fase
No mercado desde os anos 1990, a Editora Aleph é uma das mais tradicionais e que mais se destacam no segmento, com 120 títulos, entre eles o clássico Neuromancer, de William Gibson (44 reais).
“Hoje cerca de 90% do nosso faturamento vem de livros que se convencionou chamar de geeks, mas que antes chamávamos de clássicos de ficção científica”, diz Adriano Fromer, CEO da Aleph, que não é muito fã do termo geek por acreditar que o conteúdo já interessa a pessoas de fora do nicho – uma mudança enorme em relação aos primeiros anos de vida da editora.
No início, eles tiveram até de abandonar esse setor e focar em livros mais tradicionais. A ideia de retomar os títulos nerds veio em 2003 – uma decisão arriscada, pois, até então, o mercado repetia o mantra “ficção científica não vende no Brasil”.
A virada mesmo ocorreu em 2012. “Naquele ano, o interesse aumentou muito, e o fato de já oferecermos os livros com as edições ajudou”, afirma Adriano.
Em 2014 e 2015, o faturamento dobrou em relação aos anos anteriores. Apenas os livros de Star Wars representam 30% do faturamento. Para manter esse ritmo, foi preciso aumentar o número de funcionários de 14 para 30, e a empresa ainda procura pessoas para as áreas comercial e editorial.
Em 2016, a expectativa é de um crescimento de cerca de 40%. “Mesmo num momento de crise, é um mercado em expansão”, diz Adriano, que afirma gastar boa parte do tempo interagindo com os fãs nas redes sociais, “Esse público tem conhecimento e é exigente. Você precisa conhecê-lo bem”.
Outra empresa que está conhecendo os frutos de um trabalho longo é o Grupo Omelete, que tem, hoje, cinco vagas abertas. Apesar de existir desde o ano 2000, o processo de aceleração dos negócios começou em 2010, quando o sócio fundador, Pierre Mantovani, assumiu como CEO e começou a construir um ecossistema de empresas ao redor do site.
“O valor de mídia pelo mercado estava baixo, então diversificamos a atuação para mostrar que nosso público valia muito”, diz Pierre.
Atualmente, os negócios englobam a loja virtual Mundo Geek e a Comic Con Experience (CCXP), tradicional Evento no Brasil aconteceu em 2014. Além disso, em novembro passado, o grupo investiu 2 milhões de reais no Social Comics, uma espécie de Netflix dos quadrinhos em que usuários pagam uma mensalidade de 19,90 reais têm acesso a cerca de 1400 títulos para ler no computador, tablet ou celular.
A plataforma tem potencial e é uma oportunidade para artistas independentes, que podem subir seus trabalhos sem pagar nada e, depois de avaliados autorais por número de páginas lidas.
Dentre os últimos lançamentos do grupo está a Omelete Box, um programa de assinantes em que os associados pagam 99 reais e recebem em casa uma caixa com cinco ou sete produtos geeks que valem, na verdade, 160 reais.
Já são 1500 assinantes. Em 2014, impulsionado pela CCXP, o grupo cresceu 200%, com o faturamento de 14 milhões de reais.
A segunda edição da CCXP, no final do ano passado, teve três pré-estreias de filmes e cerca de 600 horas de programações simultâneas, 120 estandes e a presença dos estúdios Warner, Netflix, Dirney, Sony e Universal, por exemplo.
Também participaram celebridades, entre elas o quadrinhista Frank Miller, responsável por obras como Batman e Sin City.
Isso tudo consolidou o Evento: é o maior da cultura pop da América Latina e a terceira maior das Comic Cons do mundo.
Em 2014, o público foi de 97.000 pessoas. No ano passado, 142.000pessoas. A expectativa para a edição deste ano, que acontece sempre na primeira semana de dezembro, é receber 160.000 frequentadores. “O Evento ajuda a dar visibilidade e a profissionalizar o mercado”, diz Ivan Costa, CEO da CCXP.
Durante o Evento, frequentadores puderam ficar hospedados em hotéis decorados e com elevadores envelopados e ganhar brindes e experiências exclusivas.
A CCXP Quste, também do Grupo Omelete, responsável pela empreitada, agendou 5 000 hospedagens na última edição. Por enquanto, o negócio acontece apenas durante o Evento, mas Pierre diz que estudam ampliar a experiência para outras épocas do ano.
O turismo voltado para o público geek, aliás, já está no radar de outra empresa, a Epic Tur, do Grupo Epic, que integra cerca de 40 produtoras de conteúdo voltado para os jovens. A ideia surgiu depois do sucesso do programa Nerdtour, veiculado por eles no YouTube.
Nos vídeos, o pessoal do canal Jovem Nerd visita locais relacionados ao interesse do público, como Nova Zelândia, para mostrar o set de Senhor dos Anéis.
“As visualizações desses vídeos ultrapassaram os 500 000, notamos o interesse e aproveitamos a oportunidade, já que nenhuma empresa atendia a essa demanda”, diz Luiz Guedes, responsável pelo Marketing do Grupo Epic.
Hoje, ela é a agência oficial da Blizzard no Brasil, uma das maiores produtoras de games do mundo, responsável por títulos como World of Warcraft e Diablo.
Eles oferecem seis pacotes temáticos, dentre os quais Orlando, durante a Star Wars Week, e Croácia, com a temática de Game of Thrones. Até agora, 300 pessoas se interessaram pelas viagens. “Criaremos também opções, devido à alta do dólar”, diz Luiz.
Para Adriana Gomes, da ESPM, de São Paulo, em termos de contratação, esse ainda é um mercado de nicho. “Porém, é um setor muito interessante. Apesar de toda a fantasia envolvida, o dinheiro é bem real”, diz Adriana.
Para quem pensa em entrar para o lado brilhante da força recomenda-se atenção.
“É preciso saber que vai haver um limite de demanda e não entrar nessa apenas vislumbrando a questão financeira, pois passado este momento, somente aqueles que realmente entendem e acreditam nesse negócio vão ficar”, afirma Adriana. Que a força esteja com os bons profissionais.
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Esta matéria foi publicada originalmente na Revista Você S/A.
Perfeito! A maior prova disso é que os top vendedores do Mercado Livre são deste segmento.
Adorei seu conteúdo Parabéns, bem completo e dinâmico. Era exatamente o que eu estava buscando na internet e todas as minhas dúvidas foram tiradas aqui. Muito sucesso e gratidão!