Excelente matéria de Alexandre Teixeira tratando sobre as sutilezas e as não tão sutis características das culturas organizacionais . De que maneira a cultura impacta nos modelos de gestão
Por que cada vez mais empresas se preocupam em definir um sabor marcante para sua cultura corporativa
Por Alexandre TeixeiraCultura costuma ser definida como o conjunto de ideais e valores com base nos quais as empresas evoluem ao longo do tempo. O sucesso de qualquer organização, em boa medida, depende da capacidade de alinhar seus colaboradores em torno dessas ideias básicas. Algumas companhias possuem culturas com sabores fortes, daqueles que se ama ou odeia. Não há nada de errado nisso. O sabor ajuda a selecionar pessoas com as quais uma empresa deseja trabalhar. Também orienta candidatos a se decidirem por esta ou aquela companhia. Toda empresa ambiciosa quer ser cobiçada como local de referência para talentos, parceiros de negócios, clientes. O grande risco que corre uma cultura corporativa é ficar no meio do caminho, com o desejo ilusório de ser tudo para todos – como a neutra baunilha, sem uma personalidade definida.
Quer um exemplo de cultura que não deixa dúvida quanto ao sabor? A AmBev, maior fabricante de bebidas da América Latina, é conhecida no mercado por perseguir metas agressivamente e ser uma empresa na qual os melhores têm ascensão rápida e quem “não entrega” é convidado a sair. Assim, atrai jovens trainees adeptos dos desafios da competição. “A cultura é o que mantém coeso um país, um time ou uma empresa”, diz Marcel Telles, acionista do bloco de controle da Anheuser-Busch InBev. “Nunca transigimos quanto à nossa cultura. Ela é para poucos, mas são esses poucos que nos interessam e garantirão a continuidade da companhia.”
Toda cultura empresarial se cristaliza ao longo dos anos. Não é fácil mudá-la. O caso da Usiminas é emblemático. Marco Antônio Castello Branco, um executivo mineiro de 50 anos que fez carreira na Mannesmann, está sentindo na pele o peso da resistência. Ele assumiu a presidência da siderúrgica em junho de 2008 com o desafio de reformar sua cultura corporativa, que, privatizada em 1991, ainda rescendia a estatal. Na pesquisa que encomendou à Interbrand, consultoria especializada em marcas, logo que assumiu o cargo, a Usiminas foi descrita como uma empresa tão cinzenta quanto o uniforme de seus funcionários. Fechada até para os analistas financeiros. Conservadora, provinciana e bairrista, ironizada por “olhar o mundo pelos óculos de Ipatinga”, cidade do interior onde está sua sede. “Estes eram os atributos que queríamos eliminar”, diz Castello Branco. “Começando de dentro para fora.”
Exceto pela proposta de mudar o nome da companhia para dar-lhe ares mais cosmopolitas, ele aceitou de tudo. A logomarca, antes azul, passou a admitir cinco cores alternadamente, e o cinza sumiu dos uniformes dos operários. Para mostrar que a diversidade agora era levada a sério, criou-se um programa de contratação de ex-presidiários. Buscaram-se no mercado referências de melhores práticas: sistemas de gestão da Gerdau e da Votorantim, técnicas siderúrgicas japonesas. Nem todos os funcionários, porém, vestiram bem as novas cores da Usiminas. Como resultado, a siderúrgica é alvo de uma investigação no Ministério Público do Trabalho, motivada por denúncias de assédio moral e sexual. Ao mesmo tempo, a demissão de funcionários aposentados que continuavam ocupando cargos de direção provocou uma rebelião logo abaixo da cúpula da companhia. Embaraçado perante os acionistas, sobretudo os japoneses, Castello Branco corre o risco de não ter seu mandato renovado em 30 de abril.
Revoluções culturais nas empresas – e resistências a elas associadas – não são novidade. Em meados dos anos 80, no início do reinado de Jack Welch na GE, 100 mil pessoas foram demitidas da corporação, apesar dos lucros ao final de cada trimestre. Enquanto cortava cabeças com uma mão, o futuro “executivo do século” assinava com a outra um cheque de US$ 75 milhões, para a reforma completa do centro de desenvolvimento gerencial da GE, a hoje incensada escola de Crotonville. A lógica de Welch: livrar-se dos medíocres e formar pessoas competitivas, voltadas para resultados e comprometidas com inovação permanente. A resistência foi feroz. “Felizmente o mercado de ações estava do meu lado”, diz Welch em suas memórias. Há quem questione a sistemática demissão de 10% dos funcionários a cada ano, desenvolver os 70% medianos e premiar regiamente os 20% mais competentes. E quase ninguém tolera franqueza brutal em avaliações de desempenho. Mas o que empresas ambiciosas assim buscam são exceções que sobrevivam às suas regras.
CULTURA representa para grupos o mesmo que caráter para indivíduos.
É o que afirma o psicólogo americano Edgar Schein,
que cunhou a expressão “cultura corporativa”
No Brasil, alguns pesquisadores costumam confrontar a AmBev – empresa assumidamente influenciada pela GE de Jack Welch – com a Natura, maior fabricante de cosméticos do país. De um lado, uma radical meritocracia. De outro, uma cultura que combina filosofia grega e pragmatismo americano, temperados com discurso new age. Em comum, ambas mantêm a integridade do modelo escolhido. Uma cultura deve ser consistente com o estilo de liderança, com a gestão de pessoas e com a estrutura organizacional. “Se você mistura a cultura da AmBev com os processos da Natura, a empresa quebra”, afirma Betania Tanure, psicóloga social e consultora. O modelo de gestão da AmBev é guiado por uma filosofia básica de autonomia. O funcionário é estimulado a tomar decisões e remunerado pelo risco. A Cultura Natura aposta no bem-estar das relações. Talento individual é importante, mas o do grupo é ainda mais. Buscar resultado, as duas buscam. A Natura, procurando o consenso. A AmBev, estimulando o confronto. Quem tem razão?
“Cultura representa para grupos o que caráter é para indivíduos”, disse a Época NEGÓCIOS Edgar Schein, psicólogo que cunhou a expressão cultura corporativa. Professor da escola de negócios Sloan, do MIT, Schein sustenta há décadas a ideia de que não há cultura certa ou errada, melhor ou pior. “Se o seu caráter é a soma de tudo o que você se tornou por meio de seu aprendizado, dizer que é um caráter bom ou um caráter mau não faz nenhum sentido. Você é o que é, e, pelo mesmo motivo, uma empresa é o que é.”
A cultura é vivenciada em vários níveis, alguns deles bem visíveis. As pessoas se vestem informalmente e trabalham em ambientes sem paredes? Ou o que se vê são executivos engravatados fechados em suas salas? Ambos os cenários dizem algo sobre a organização. Mas será que a primeira impressão conta tudo? Um pouco de pesquisa de campo não mostrará um quadro mais completo? Portas fechadas têm uma razão de ser. A empresa provavelmente valoriza a privacidade e a oportunidade para que os empregados reflitam antes de partir para a ação. Cave um pouco mais fundo e surgirá a história da empresa, os valores do fundador. “Uma companhia que cresceu de um certo modo e é bem-sucedida certamente tem uma cultura”, diz Schein. Em geral, quanto mais antiga a empresa, mais sólidos serão seus valores. Isso tende a ajudá-la em períodos de tranquilidade nos mercados ou em setores que pouco mudam. “Mas, se o ambiente muda, algumas partes dessa cultura podem tornar-se disfuncionais”, afirma Schein.
A cultura forjada por Luiz Seabra, fundador da Natura, em torno dos conceitos de bem-estar e sustentabilidade, revelou-se pouco flexível quando foi posta à prova por uma sequência de eventos em meados da década passada. Primeiro, a companhia abriu capital, em maio de 2004, e passou a conviver com analistas lhe cobrando resultados trimestrais. Nove meses depois, houve a profissionalização da gestão, com a sucessão de Pedro Passos – um dos acionistas controladores – por Alessandro Carlucci. Isso coincidiu com uma fase de crescimento ao ritmo de quase 40% ao ano no mercado interno e aceleração da internacionalização. Como não havia talentos internos suficientes para triplicar a quantidade de gestores em três anos, foi preciso recrutar muita gente de fora.
AmBev O modelo de gestão da AmBev, introduzido por Marcel Telles, tem uma filosofia básica, que é de autonomia na ponta. “Os valores são comuns, mas os indivíduos trazem diversidade de atuação e estilo”, diz ele. Originária do banco Garantia, a Cultura AmBev é centrada em metas, resultados e ascensão rápida |
Natura Luiz Seabra fundou a Natura influenciado por filósofos. Portanto, os valores expressos em sua identidade são similares aos que orientaram as grandes tradições religiosas. É uma cultura baseada no bem-estar das relações, a partir das quais se constrói valor. A ideia é buscar o resultado pelo consenso |
Com a dificuldade de fazer com que quase 300 gerentes vindos das mais diversas companhias se adaptassem à filosofia de Seabra, o trem quase saiu do trilho. A volta por cima foi dada com providências clássicas do mundo empresarial: corte de custos e redefinição de prioridades estratégicas. Mesmo assim, segundo Marcelo Cardoso, vice-presidente de Desenvolvimento Organizacional da Natura, a normalização da empresa não se deu pela adaptação da cultura à nova realidade, mas pelo aculturamento dos novatos. “Em nenhum momento existiu a intenção de mudar a cultura da companhia”, afirma. “Os resultados da Natura são consequência do alinhamento profundo do que ela acredita ser sua proposta de valor para o mundo, sua utopia de transformação do planeta.”
Transformação do planeta? Uma fabricante de cosméticos quer mudar o mundo? O ceticismo é saudável, mas a Natura não está sozinha. A Whole Foods, considerada um dos “arautos da nova ordem administrativa” por Gary Hamel, um guru americano da estratégia, não se considera uma empresa. Apresenta-se como “uma comunidade de pessoas que trabalham para fazer diferença no mundo, em que a missão é tão importante quanto o resultado financeiro”. Whole Foods é aquela rede americana de supermercados naturebas com 200 lojas e US$ 6 bilhões de faturamento. “Logo no início, o fundador da Whole Foods, John Mackey, disse: ‘Quero construir uma empresa que seja baseada em amor em vez de medo’”, contou Hamel a Época NEGÓCIOS. “Todos os sistemas de gestão deles partem daquele compromisso inicial em torno de um conjunto particular de valores.” A empresa tem uma Declaração de Interdependência, em que se descreve como uma comunidade que trabalha em conjunto para criar valor para outras pessoas.
É o tipo de cultura que se encontra em algumas das melhores empresas do Vale do Silício. “Pessoas talentosas sentem-se atraídas pelo Google porque lhes damos poder para mudar o mundo”, dizem Larry Page e Sergey Brin em um documento chamado Carta a Futuros Acionistas. “Se, como geralmente se afirma, os funcionários do Google são uns tipos arrogantes, também são incrivelmente idealistas”, afirma Hamel. Afirmam que trabalham para democratizar o acesso à informação e, por tabela, tornar as pessoas menos alienadas. Alex Dias, presidente da filial brasileira do Google, veste a carapuça – de idealista, não de arrogante. “O Google vê a tecnologia como uma alavanca de mudança do mundo para melhor”, diz ele. “Por trás de tudo que desenvolvemos há uma pergunta aparentemente boba: por que não fazer diferente?” Chamam a isso saudável desprezo pelo impossível. Pela natureza pulverizada da internet, a ideia de publicidade online não parecia viável como modelo de negócio. Hoje é. Pelo menos para o Google.
O mote interno da companhia é “Don’t be evil” (não seja mau). É a base do relacionamento de longo prazo com o usuário e está por trás da reação da companhia aos problemas com o Buzz, rede de relacionamento social lançada pelo Google para concorrer com o Facebook. Numa demonstração de transparência, a empresa admitiu publicamente falhas na proteção da privacidade dos participantes e modificou o sistema. Dias afirma que decisões já foram tomadas em detrimento do resultado financeiro, para “não ser mau”. “Nossa última manifestação em relação à China tem muito a ver com isso”, diz ele, referindo-se à ameaça de deixar o país depois que hackers, aparentemente a serviço do governo, invadiram contas de e-mails de dissidentes políticos e a censura foi intensificada. “Essa situação fere valores nossos que são valores da internet.”
que impunha seus traços à companhia. Depois, esse tipo de liderança
tornou-se dispensável, afirma Vicente Falconi
E o que dizer da Apple, de Steve Jobs – aquele que é, reconhecidamente, o cara da inovação? “A Apple é feita por pessoas que pensam de uma forma diferente e original, que querem usar os computadores para ajudá-las a mudar o mundo, para ajudá-las a criar coisas que façam diferença, e não apenas para executar um trabalho”, disse Jobs à revista Time, nos idos de 1998. “Ao longo de sua carreira, Jobs motivou funcionários, atraiu desenvolvedores de software e cativou compradores invocando um chamado superior. Para ele, os programadores não trabalham para criar programas fáceis de usar: estão tentando mudar o mundo”, diz Leander Kahney no livro A Cabeça de Steve Jobs. Do mesmo modo, o iPod nasceu com a pretensão de ser mais que um tocador de MP3. “A música está sendo realmente reinventada nesta era digital, e isto está trazendo-a de volta à vida das pessoas”, disse Jobs à Rolling Stone, em 2003. “É assim que estamos trabalhando para tornar o mundo um lugar melhor.”
O padrão da Apple para recrutamento e seleção é de assumido elitismo: “Contrate apenas atores nota 10, demita os idiotas”. É o darwinismo da GE versão iWelch. Na ânsia de livrar-se dos medíocres, mas também de desenvolver o potencial dos especiais. Isto é verdade na Apple e também na Pixar, o estúdio de animação que Jobs vendeu à Disney em 2006 por US$ 7,4 bilhões. No livro Mavericks no Trabalho, Polly LaBarre e William Taylor explicam que a cultura da Pixar é oposta à de Hollywood, onde se contratam cineastas por empreitada e financiam-se ideias para roteiros. Jobs instituiu a prática de manter os artistas na folha de pagamentos e investir neles. Assim, a Universidade Pixar, com centenas de cursos de animação, arte e produção, está para o desenvolvimento de colaboradores como Crotonville para a GE.
O gênio e as idiossincrasias de Jobs parecem marcar o fim de uma longa época no mundo dos negócios. Na última década do século passado, diferentes autores decretaram o fim da história, da física, da macroeconomia, da ciência e da incerteza. Mas tantos fins devem igualmente significar outros tantos novos começos. É o que afirmam Rajendra Sisodia, Jagdish Sheth e David Wolfe, autores de um estudo sobre as empresas mais queridas do mundo: “Estamos oscilando diante do que os físicos denominam ponto de bifurcação – um interregno ou intervalo de tempo entre os polos da morte e do nascimento (ou do renascimento), quando uma velha ordem está chegando ao fim e uma nova ordem luta para sair de sua condição embrionária”.
Há uma razão demográfica por trás do que parece um convite quatro décadas atrasado para celebrar a chegada da Era de Aquário. “O sentido da vida (…) constitui uma questão recorrente na meia-idade”, afirmam Sisodia, Sheth e Wolfe. Com o envelhecimento da população, os questionamentos afloram. “Que vou fazer do resto da minha vida?”, perguntam os que já construíram carreira e família. “Como vamos fazer para que essa empresa seja um instrumento a serviço da sociedade enquanto cumprimos com o nosso dever de construir riqueza para os acionistas?”, questionam-se cada vez mais líderes empresariais.
Apple “A Apple é feita por pessoas que pensam de forma diferente e original e querem usar computadores para ajudá-las a mudar o mundo, criar coisas que façam diferença e não apenas para executar um trabalho”, diz Steve Jobs. O mote para o recrutamento é: “Contrate só gente nota 10 e demita os idiotas” |
Para Alfredo Behrens, professor de gestão intercultural no MBA Internacional da Universidade de São Paulo, a cultura de uma organização é uma mistura das culturas de seu fundador e de seu país de origem. Esta é mais fácil de se observar quando traduzida em pequenos códigos de conduta. A pontualidade, por exemplo. “Em países latinos, chegar atrasado pode ser considerado estiloso e apropriado. Já nos países do norte da Europa é visto como um insulto”, afirma Schein. Do mesmo modo, chegar ao trabalho cedo e sair tarde pode significar coisas diferentes em contextos diferentes: forte compromisso com a empresa ou incapacidade de ser eficiente.
Pode ser mera curiosidade, até o momento em que pessoas de diferentes origens são alocadas em equipes multiculturais e mal-entendidos tornam-se ameaças à produtividade. “Se você olha para organizações americanas em geral, o indicador mais claro de individualismo é a vaca sagrada da responsabilidade individual”, diz Schein. “Não importa o quanto o trabalho em equipe seja propagandeado na teoria, ele não existe na prática até que a responsabilidade seja designada ao time todo e sistemas de pagamento e recompensa sejam instituídos.”
Será que existe uma cultura corporativa brasileira? É possível identificar as suas origens? Jacques Marcovitch, ex-reitor da Universidade de São Paulo e autor da trilogia Pioneiros & Empreendedores, entende que sim. “Há uma cultura empresarial com origem na trajetória dos homens de negócio que lideraram a transição do Brasil de uma economia agrícola para a industrialização”, diz. Como Roberto Simonsen. Dirigente da Companhia Construtora de Santos, ele viveu a grande crise de 1918 e 1919, que entrou para a história como a Crise dos Quatro Gês: geadas, gafanhotos, guerra e gripe espanhola. Nesse período, Simonsen correu a Europa em busca das melhores práticas que pudesse importar. Sua arrancada empresarial teve início logo depois. “A partir da segunda década do século 20, Simonsen modernizou a administração de suas empresas, que iam do setor de construção civil aos frigoríficos e aos produtos cerâmicos, aplicando conceitos que foi buscar na Grã-Bretanha e na França”, diz Marcovitch.
O Brasil, naturalmente, tem traços culturais com impactos notáveis sobre suas empresas. Três deles são mais importantes, para o bem e para o mal. O primeiro é a flexibilidade, o conhecido jeitinho brasileiro. Seu trunfo, para a maioria das empresas, é a facilidade de adaptação a mudanças. O efeito colateral é a indisciplina, que gera procrastinação e retrabalho. O segundo traço é a ênfase nas relações pessoais. Colegas de trabalho são amistosos e hospitaleiros, mas com frequência praticam o mote “aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei”. Isso ajuda a entender o paternalismo e a dificuldade de dar feedback. Basicamente, evita-se o conflito a todo custo, especialmente com quem tem mais poder. O terceiro – e mais oculto – dos traços diz respeito ao modo como se lida com o poder. “As empresas do Brasil ainda são extremamente autoritárias nas suas relações de poder”, afirma Betania Tanure. “Achamos que o Japão é mais autoritário, mas não é.”
Com suas virtudes e fraquezas, o jeito brasileiro de fazer negócios começa a ser exportado com algum sucesso. A chamada “Cultura AmBev” talvez seja o melhor exemplo. Partindo do país, expandiu-se pela América Latina, chegou à Europa e mais recentemente aos Estados Unidos. Houve choques culturais no caminho – ainda há muita resistência na Bélgica, onde está a sede da InBev. “Respeitamos as culturas locais, mas não abrimos mão, nem um centímetro, da nossa, e temos visto que em qualquer país encontramos os poucos extraordinários que adoram nossa cultura corporativa”, afirma Marcel Telles.
Diferentemente do que muitas vezes se imagina, a proximidade geográfica não é garantia de afinidade cultural. “Nos poucos contatos que tive com empresas da Argentina, percebi que a cultura empresarial de lá é muito difícil de se trabalhar. Em todos os níveis, até no do operariado”, afirma Vicente Falconi, fundador do Instituto de Desenvolvimento Gerencial e membro do conselho da AmBev. Segundo ele, seus pares argentinos, quando ingressam em empresas brasileiras, surpreendem-se com a humildade do trabalhador local. Talvez seja o complexo de vira-lata rodrigueano jogando a nosso favor. “Só aprende quem é humilde”, diz Falconi. Nos Estados Unidos, segundo ele, o desafio é outro. “Você tem de gastar mais tempo para convencê-los, para vender a ideia”, afirma. “Mas, uma vez assimilada, com uma boa liderança, eles vão mais longe porque têm mais competência formada.
Mais sutis, mas não menos importantes, os valores do fundador dizem muito sobre as empresas. Uma das culturas corporativas mais tradicionais do país, a da Odebrecht, não é baseada nas ciências da administração, mas em uma filosofia de vida. “Ela valoriza a formação do homem para o trabalho, pelo trabalho e no trabalho”, diz Antonio Carlos Gomes da Costa, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e autor de um livro que analisa a obra de Norberto Odebrecht. Educado em alemão até a entrada no ginásio, o patriarca dos Odebrecht atribui os fundamentos da cultura de um dos maiores conglomerados da indústria pesada brasileira a seu preceptor, Otto Arnold. Primeiro pastor luterano de Salvador, Arnold foi hóspede dos Odebrecht em meados dos anos 20. Todas as manhãs, dava aulas a Norberto, de acordo com o rígido conceito germânico de Bildung (formação). Além de caligrafia gótica, o pastor transmitiu ao futuro empreiteiro uma visão de mundo impregnada da ética protestante e capitalista de Max Weber.
Whole Foods Considerada pioneira de uma nova ordem gerencial, a maior rede de varejo orgânico do mundo, fundada por John Mackey, não se considera uma empresa. Define-se como “uma comunidade de pessoas que trabalham para fazer diferença no mundo, em que a missão é tão importante quanto o resultado financeiro” |
Odebrecht Uma das culturas corporativas mais tradicionais do país, a Tecnologia Empresarial Odebrecht não é baseada nas ciências da administração, mas no conceito alemão de Bildung (formação). Foi desenvolvida por Norberto Odebrecht, a partir da educação recebida de um pastor luterano |
Em um texto a respeito de sua formação, Odebrecht afirma que, graças a Arnold, compreendeu “que a riqueza moral é a base da riqueza material, e a riqueza sem ética não é riqueza sadia”. Quando foi para o Ginásio Ipiranga, Odebrecht teve de tomar aulas particulares de português. O contato com a elite baiana foi o primeiro choque de sua vida. Hábitos como o de apagar o quadro-negro depois da saída do professor foram tomados por bajulação e lhe renderam apelidos nada elogiosos. A segunda paulada veio quando seu pai – Emilio Odebrecht, já então o maior construtor da Bahia – faliu, durante a Segunda Guerra. Norberto tinha 23 anos e ainda estudava engenharia quando assumiu os negócios – e as dívidas. No futuro, ao comentar a virada que tirou a empresa da bancarrota e a colocou no rumo do crescimento, ele sempre destacaria o fato de ter herdado um corpo de funcionários bem preparado e com um jeito muito próprio de trabalhar. Era o embrião da TEO, Tecnologia Empresarial Odebrecht.
Mesmo na era dos gurus da gestão, há espaço para culturas nascidas em casa. O sucesso da Casas Bahia foi um fenômeno dependente da sua cultura. “Ela tinha o que o Bradesco nunca teve, o que o Itaú nunca teve. Uma cultura de emprestar para pobre”, diz Clemente Nobrega, consultor de empresas e colunista de Época NEGÓCIOS. “Isso veio do Samuel Klein [fundador da empresa], que era mascate.” Depois, com o sucesso da Casas Bahia decodificado, a concorrência descobriu esse mercado. De modo similar, David Neeleman, fundador da JetBlue, já relatou de que modo sua experiência como voluntário, vivendo e trabalhando em favelas do Brasil, ajudou a moldar a cultura de sua empresa. “Entre mim e as pessoas com quem trabalho, me esforço para eliminar as diferenças mais evidentes de riqueza e posição social e tento propiciar oportunidades para servir os outros”, disse ele certa vez. “Ao voar a trabalho, sirvo drinques e lanches junto com a tripulação e levo o lixo para fora quando terminamos.”
Toda cultura corporativa depende, em diferentes medidas, de valores do fundador da empresa. “Ele tem opiniões fortes sobre como os empregados devem fazer seu trabalho e que prioridades a organização precisa ter”, afirma Nobrega. “Se os julgamentos do fundador são falhos, a empresa fracassa. Mas se são sólidos, os empregados vão atestar por si próprios sua validade para resolver problemas e tomar decisões.” Ou seja, os processos são definidos por tentativa e erro até que passam a ser o piloto automático da organização, sua cultura. Não há fórmula pronta para isso. Algumas empresas têm culturas inspiradas em um livro escrito por um líder, ou por um conjunto de líderes. Outras partem de comportamentos espontaneamente desenvolvidos e, algum tempo depois, formalizados. Se a Odebrecht representa o primeiro modelo, a AmBev certamente alinha-se com o segundo. Sua cultura corporativa nasce com a compra da Brahma pelo banco Garantia, em 1989, e a chegada de Marcel Telles para administrá-la.
“No começo o Marcel era tudo. Um líder carismático que impunha traços culturais de si mesmo, o que foi bom para a empresa”, diz Falconi. “Só que, como ele teve a preocupação de cuidar das pessoas e de formar equipes com gente excepcional, não existe mais necessidade de um líder carismático.” É natural que seja assim. Líderes carismáticos geralmente estão associados a sistemas fracos. Quando uma empresa tem sistemas gerenciais mais fortes, ele já não é indispensável. Dito de outro modo, enquanto a liderança cria a cultura nos estágios iniciais da empresa, é a cultura que forma líderes depois que a organização amadurece.
parecido e têm a mesma maneira de trabalhar, podem bloquear
a diversidade e a capacidade criativa para inovar
É por isso que startups de sucesso podem ser fulminadas caso seus engenheiros ou programadores sejam “roubados” pela concorrência. Os jovens líderes das companhias que dominam a internet hoje têm total consciência disso e, no entanto, adotam abordagens distintas sobre recursos humanos. Um exemplo é Mark Zuckerberg, CEO do Facebook. Sua estratégia é contratar “hackers empreendedores” mesmo que eles não permaneçam muito tempo na empresa. Zuckerberg prefere engenheiros mesmo para funções de suporte, como marketing. Sua meta declarada é fazer da maior rede social do planeta o melhor lugar do mundo para se aprender a construir um negócio baseado na internet. Considerando que o YouTube, gigante dos vídeos na web, foi cofundado por Steve Chen, um ex-funcionário do Facebook, não é uma visão distante da realidade. “Hackers são pessoas impacientes e não querem ficar em um lugar para sempre”, disse Zuckerberg em uma palestra em outubro na Startup School, na Califórnia.
É uma visão oposta à da Zappos, varejista digital de moda, comprada em 2009 pela Amazon por US$ 847 milhões. “Queremos que nossos funcionários permaneçam na empresa por um longo tempo, durante dez anos, talvez a vida inteira”, disse Tony Hsieh, CEO da Zappos, no mesmo evento. “Damos orientação e treinamento para que os empregados entrem e, ao longo de um período de cinco a sete anos, possam se tornar líderes seniores.” Uma estratégia para fazer isso é apertar o ritmo das promoções, desdobrando-as em degraus menores. Em vez de um salto de longa distância a cada 18 meses, que tal um salto triplo dividido por semestres? Hsieh incentiva chefes e funcionários a participarem juntos de eventos não vinculados ao trabalho. Mentes abertas, segundo afirma, captam melhor o propósito da Zappos – oferecer o melhor serviço do mundo ao consumidor – e vão além da dobradinha receita e lucro.
Ter uma cultura forte traz vantagens inegáveis para as organizações. Por exemplo, a clareza para selecionar que tipo de gente se quer recrutar, reter e desenvolver. Se essa cultura torna-se conhecida do mercado, potenciais candidatos, sejam eles estudantes ou executivos, poderão avaliar se os valores e as práticas da empresa são compatíveis ou não com os seus. “Nossas entrevistas são interessantes porque sempre forçamos o candidato a nos fazer várias perguntas, principalmente sobre cultura”, diz Márcio Fróes, diretor de Gente e Gestão da AmBev, onde trabalha há 18 anos. “Se você não tiver a capacidade de se apaixonar por esta empresa, não venha, porque aqui você vai casar de novo.”
Usiminas Marco Antônio Castello Branco assumiu a siderúrgica em 2008 com a missão de renovar uma cultura de ex-estatal. A empresa era tida como pesada, lenta e cinzenta. No pacote de mudanças, adotaram-se cinco cores para o logotipo e uniformes coloridos. A resistência à transformação foi parar na Justiça |
Toda empresa que se preze possui uma missão. Não para pendurar na parede, mas para orientar suas atividades. Isso é importante, mas não separa os homens dos meninos. O que empresas inspiradoras, como Apple e Google, têm de diferente é uma visão de mundo particular. Uma ideologia, como prefere Jim Collins, autor do clássico Feitas Para Durar. As pesquisas de Collins indicam que “a autenticidade da ideologia e o grau de alinhamento com ela obtido pela companhia contam mais do que o conteúdo da ideologia”. Dito de outro modo, consistência é mais importante do que originalidade. Pelo menos até certo ponto.
Em duas situações críticas – fusões de um lado, gestão de crises do outro –, culturas muito fortes podem ser um fardo. Quando se torna necessário unir, às vezes à força, pessoas com origens diferentes, entram em cena especialistas em cultura com o propósito de evitar, ou ao menos amortecer, os inevitáveis choques. Na maioria dos casos, a preocupação com culturas diferentes sendo espremidas numa nova organização surge depois do choque cultural. Nos últimos tempos, companhias previdentes têm tentado se antecipar.
Tome o exemplo da BRFoods, fruto da união da Perdigão com a Sadia. A nova companhia aguarda com ansiedade o sinal verde do Cade, previsto para até meados de junho, para dar início à integração das duas empresas. O temor é de perda de talentos neste meio-tempo. Dos 20 executivos considerados chaves para a BRFoods, cinco, provenientes da Sadia, já deixaram a empresa, atraídos por boas ofertas no mercado aquecido. Em princípio, foi estabelecida a impossibilidade de que duas culturas diferentes convivessem em uma mesma organização. Ficou decidido que prevalecerá a do comprador, no caso a Perdigão, com gestão profissionalizada e transparência. “Será uma cultura com padrão de multinacional”, diz um especialista que acompanha de perto a movimentação. Isso não deve significar, porém, uma atitude revanchista em relação à Sadia, que reconhecidamente tem áreas de excelência, como marketing e vendas.
Duas consultorias internacionais foram contratadas para colaborar nesse processo. À americana McKinsey foi confiada a tarefa de levantar as melhores práticas de cada uma, a fim de se estabelecerem sinergias. De seu lado, a alemã Egon Zehnder começou a entrevistar os 15 altos executivos remanescentes, para avaliar eventuais problemas de adaptação. Perdigão e Sadia têm culturas divergentes. Operada por fundos de investimento, há muito a Perdigão – que até o início da década de 90 pertencia à família Brandalise – perdeu os resquícios de empresa familiar. Já a Sadia seguia sob controle dos muitos herdeiros de seu fundador, Attilio Fontana. Essas diferenças entre antigos rivais tornaram-se claras em 2001, quando as companhias formaram uma aliança para operar internacionalmente, responsável pelas exportações de carne para vários países. Durou cerca de um ano. “Essa curta e conflituosa convivência, que frustrou o negócio na ocasião, agora serve como importante aprendizado”, diz o observador.
De todos, porém, o principal risco trazido por uma cultura organizacional forte é que a confiança excessiva em seus valores pode tornar as lideranças emocionalmente incapazes de aceitar a necessidade de mudar. A indústria automotiva internacional é uma prova viva disso. “É evidente que um dos pressupostos-chave por trás da cultura da General Motors era financeiro – você deve sempre maximizar a margem de lucro”, afirma Schein. Por esse motivo, até a rejeição por parte dos consumidores tornar-se quase irreversível, a GM resistiu em mudar a ênfase nos SUVs bebedores de gasolina para carros pequenos e econômicos e em apostar nos modelos híbridos e elétricos.
Agora, com a onda de recalls que já atinge 8,5 milhões de veículos seus, é a Toyota que está na berlinda. “Os problemas da Toyota são apenas dela, mas sublinham falhas mais amplas na governança corporativa japonesa, que tornam empresas grandes particularmente vulneráveis a lidar mal com uma crise como essa”, afirmou recentemente a revista The Economist. Quem conhece a Toyota por dentro sabe que sua rígida hierarquia desestimula, para usar um eufemismo, as pessoas a levarem más notícias para o andar de cima. Na dúvida entre esconder o problema e expô-lo ao chefe, que corre o risco de passar um carão (lose face, na expressão em inglês), dá-se sempre um jeito de dourar a pílula. O fato de o conselho de administração da montadora ser composto por 29 homens japoneses, nenhum deles independente, ajuda pouco a oxigenar essa cultura. O caso da Toyota é um prato cheio para estudiosos da administração. Trata-se de uma reconhecida cultura de excelência que está sofrendo arranhões sérios justamente por problemas de qualidade. “Sua cultura foi construída sobre confiabilidade, e eles são reconhecidos no mundo todo como modelo de manufatura”, afirma Schein. “Então, o grande enigma é: mesmo com essa cultura, o que deu errado?” Segundo Schein, os japoneses, não apenas na Toyota, são orgulhosos e resistentes a admitir erros, além de rígidos no que diz respeito à lealdade de seus funcionários. “O problema é que dizer ‘eles não deveriam ser desse jeito’ é como dizer ‘vocês, brasileiros, não deveriam ser tão amantes da diversão’. É fácil criticar um traço cultural, mas difícil mudá-lo.”
Culturas unilaterais, que reúnem pessoas que pensam parecido, têm os mesmos valores e a mesma maneira de trabalhar, podem bloquear a diversidade de pensamento. É o caso de uma empresa que junta um grupo de pessoas motivadas por resultados, que gostam de competição e de ser desafiadas, e que se dispõem a trabalhar sob um sistema de controle permanente de despesas. Ora, se está todo mundo pensando em economizar cada tostão, talvez falte alguém raciocinando de maneira criativa. Marcel Telles tem resposta a este questionamento. Segundo afirma, nas empresas de sua esfera, em especial a AmBev, “os valores são comuns mas os indivíduos trazem diversidade de atuação e estilo” para o trabalho. “Acreditamos que pessoas excepcionais procurando oportunidades de crescer dentro de um time com sonho comum empurrarão a empresa para a frente e para cima”, afirma ele. A regra do jogo é interesse individual, sim, mas alinhado com o propósito maior do time. “O ousar é sempre encorajado, desde que ajude na direção do sonho comum.”
Com todos os riscos e dificuldades, é difícil lembrar de outra era em que tantas empresas dedicassem tanta energia a suas culturas. Cardoso, da Natura, explica: “É que os ambientes passaram a ser mais complexos e incertos. A ilusão de controle gerada pelos modelos tradicionais de gestão evaporou, e a cultura passou a desempenhar papel fundamental”. A globalização leva companhias a desenhar num país, projetar em outro, produzir num terceiro e vender em diversos. Tudo isso com a empresa sendo cobrada pelo triple bottom line (o tripé lucro, pessoas e planeta). “Cuidar da cultura é como cuidar da água do aquário”, diz Cardoso. “O peixe não percebe, mas alguém está zelando para que a água tenha a oxigenação, os nutrientes e micro-organismos necessários para que o ambiente seja saudável.”
*Colaborou Rafael Barifouse
“O sucesso é produto dos valores e da paixão por eles”
Na economia criativa de Gary Hamel, o pensador americano da gestão do futuro, o desafio não é controlar as pessoas, mas inspirá-las a levar seus dons para o trabalho
Entre os qualificativos colecionados por Gary Hamel estão os de “pensador de negócios mais influente do mundo” (The Wall Street Journal), “guru de estratégia dominante” (The Economist) e “principal especialista do mundo em estratégia de negócios” (Fortune). Hamel é professor convidado de Estratégia e Gestão Internacional da London Business School e cofundador da consultoria californiana Strategos. Autor de O Futuro da Administração, ele afirma nesta entrevista que, em muitas empresas contemporâneas, os sistemas de administração são do fim do século 19, era da Revolução Industrial. Controle e disciplina tolhem paixão e criatividade – “dons que as pessoas levam ou não levam para o trabalho todo dia”. Exceções? Sim, americanas como Apple e Google; brasileiras como Natura e Semco. “As empresas que estão liderando essa transformação com certeza serão as vencedoras.”
O senhor defende uma cultura humanista, com pouca hierarquia e pequenas diferenças de remuneração. Mas um de seus modelos é a Apple, uma empresa personalista._Muitas vezes achamos que o sucesso vem da estratégia ou talvez de uma pessoa. Não é esse o caso. No fim das contas, o sucesso é produto dos valores que alguém tem e da paixão que se consegue criar em torno desses valores. Não dá para entender uma empresa como a Apple sem olhar para os valores profundos que formam sua cultura corporativa. Você pode dizer: é o Steve Jobs. Mas eu te digo, ele é um só. Não existe pessoa com imaginação suficiente, visão suficiente para reinventar tantos setores. Quando se olha para a Apple, há um conjunto de valores muito mais profundo. Por exemplo, um valor que diz: “Vamos ser apaixonados, queremos criar coisas lindas, sensacionais de se olhar, adoráveis de segurar”.
São culturas como essa que, a seu ver, moldarão o futuro da administração?_É interessante que, dentro da maioria das empresas, não se possa nem falar sobre beleza, alegria ou amor. E esses ideais são os mais importantes para nós, como seres humanos. Isso tem de mudar, porque, em uma economia criativa, você está tentando trazer pessoas do mundo todo para contribuirem com a sua organização, tentando abrir o processo de inovação, tentando tornar seus clientes, parceiros e funcionários apaixonados. Não dá para fazer isso a não ser que sua empresa seja construída em torno de ideais e valores que realmente mexam com o coração. Não é a riqueza do acionista, não é liderança numa categoria de produtos, não é vantagem competitiva. É uma percepção profunda de valores. Por todas essas razões, o que se vê aqui e ali como apenas alguns casos isolados vão se tornar cada vez mais a norma. As empresas que estão liderando essa transformação com certeza serão as vencedoras.
Mas, por ora, são organizações à frente de seu tempo, certo?_Em muitas empresas hoje, os sistemas de gestão, as ferramentas e os métodos têm suas fundações no fim do século 19 quando, no começo da Revolução Industrial, estávamos quebrando a cabeça para descobrir como transformar seres humanos em robôs programáveis. Nossos sistemas de gestão tendem a enfatizar desempenho, controle, disciplina e diligência, às custas de criatividade, iniciativa, paixão e compromisso. Então, acho que a pergunta é: como se constroem organizações que sejam altamente disciplinadas e focadas, mas altamente inovadoras e adaptáveis? Não uma versus a outra. No desenvolvimento de qualquer cultura corporativa, o ponto de partida crítico é definir que valores serão honrados. Acho que frequentemente não há uma conversa explícita sobre o tema.
Como se muda isso?_É preciso criar organizações com funcionários dispostos a trazer seus dons de criatividade e paixão para o trabalho todo dia. Vivemos uma situação estranha, na qual as capacitações mais importantes para o sucesso das organizações são as que menos se podem extrair na marra. Criatividade, iniciativa e paixão são dons que as pessoas levam ou não levam para o trabalho. Os líderes não podem mais perguntar “Como faço para fazer as pessoas servirem a organização?”. A pergunta é: “Como crio o senso de propósito e os valores que vão inspirar as pessoas a trazerem esses dons para o trabalho todo dia?”.
“Quanto mais forte a cultura, mais difícil é mudá-la”
Edgar Schein, o psicólogo que cunhou a expressão “cultura corporativa”, diz que valores sólidos podem ser um fardo quando o ambiente de negócios se transforma
General Motors e Toyota têm culturas empresariais fortes, que lhes garantiram lealdade interna na fase de crescimento. Agora que o ambiente mudou e o consumidor tem novas demandas, valores arraigados – como o orgulho dos japoneses e sua resistência em admitir erros – dificultam a adaptação. A avaliação é do psicólogo americano Edgar Schein, 82 anos, a quem se deve a autoria da expressão “cultura corporativa”. Professor da escola de gestão Sloan, do MIT, Schein é autor de pelo menos dois clássicos sobre a cultura das empresas. Um deles, The Corporate Culture Survival Guide, foi reeditado no ano passado, com uma discussão sobre vantagens e desvantagens de possuir valores fortes em tempos de crise econômica e ambiental. Nesta entrevista, Schein desencoraja tentativas de mudar culturas inteiras. “É preferível perguntar que partes da cultura precisam se tornar mais adaptáveis, que partes já não funcionam tão bem”, diz. “Só então começaremos a entender como fazer as mudanças necessárias.”
Em tempos de crise, o interesse pelo tema cultura corporativa parece aumentar. Por que isso acontece?_Penso que todas as companhias estão enfrentando transformações. O mundo está mudando, e as empresas precisam acompanhar. E quando necessitam de uma palavra para descrever as mudanças que têm de fazer, cultura é muito conveniente. Mas é a palavra equivocada, porque o que as companhias realmente precisam fazer é alterar seu comportamento, para se tornarem mais eficazes e adaptáveis. Falar em mudança de cultura é apenas um jeito fácil de dizer aos empregados, por exemplo, que não são suficientemente orientados para o cliente.
Sim, mas há empresas focando em cultura, no sentido que o senhor descreve em seu livro. Isso tem a ver com o ambiente econômico?_Uma empresa que cresceu de um certo jeito e é bem-sucedida certamente possui uma cultura. A questão então é: essa cultura é algo que ela deva tentar preservar ou mudar, reforçar ou enfraquecer? E a resposta é: tudo depende dos problemas que a companhia enfrenta. Por exemplo, uma empresa com uma história longeva vai ter uma cultura forte, por definição. Então, se o ambiente muda, algumas partes dessa cultura podem se tornar disfuncionais. Mas não se deve dizer: “Eu vou mudar a cultura toda”. É preferível perguntar que partes da nossa cultura precisam se tornar mais adaptáveis, que partes já não funcionam tão bem. Só então começaremos a entender como fazer as mudanças necessárias.
Nesta reedição de seu livro, o senhor menciona a General Motors como exemplo de empresa cuja cultura forte dificultou sua adaptação ao ambiente pós-crise. Isso vale para a Toyota agora?_A cultura da Toyota foi construída sobre a confiabilidade, e eles são reconhecidos no mundo todo como modelo de manufatura. Então, o grande enigma é: mesmo com essa cultura, o que deu errado?
Certo, mas eu me referia ao modo como eles reagiram ao problema de qualidade. A resposta demorou, e há quem diga que foi porque os orientais têm medo demais de passar um carão._Os japoneses, não apenas na Toyota mas nas empresas japonesas em geral, são muito orgulhosos e muito resistentes a admitir erros, muito rígidos no que diz respeito à lealdade da sua gente. O problema é que dizer “eles não deveriam ser desse jeito” é como dizer “vocês, brasileiros, não deveriam ser tão amantes da diversão”. É fácil criticar um traço cultural, mas muito difícil mudá-lo.
Ter uma cultura forte é ou não é uma vantagem para uma empresa?_Uma cultura forte significa que há consenso e lealdade. A GM tem uma cultura forte. A Toyota também. Isso é bom ou ruim? Depende dos ambientes econômico e tecnológico. Se é um setor estável, então claramente uma cultura forte é uma vantagem. A indústria automotiva vive num ambiente muito distinto. O que o consumidor quer hoje é bem diferente do que queria quando a GM e a Toyota foram construídas. Então, no caso delas, uma cultura forte pode ter sido ótima para crescer, mas torna-se ruim quando o ambiente exige uma nova resposta. Porque quanto mais forte a cultura, mais difícil é mudá-la.
http://epocanegocios.globo.com/Revista/Common/0,,EMI125291-16642,00-TUDO+MENOS+BAUNILHA.html