Leia, na íntegra, o artigo de Adriana Gomes publicado na última edição da Revista da ESPM.
A comunicação como base dos vínculos e relacionamentos duradouros
Apesar da aparente conectividade em que vivemos e de todas as maneiras possíveis de se comunicar que a humanidade tem à disposição atualmente, uma das queixas mais frequentes entre as pessoas é a dificuldade nas relações, em todas as esferas, profissionais, pessoais e familiares.
Vivemos numa Torre de Babel, quando o assunto é comunicação interpessoal. As pessoas, de maneira geral, demonstram grande dificuldade para expressarem suas ideias, objetivos, percepções e emoções verbalmente. Num mundo de imagens em que os instantâneos fotográficos substituem as palavras, a relação com a comunicação verbal está realmente perdendo espaço.
Não é difícil flagramos a humanidade teclando freneticamente em seus aparelhos celulares por todos os lados, nas ruas, elevadores, salas de aula, e até ao volante. Em estudos apresentados pela Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), o condutor que envia SMS enquanto dirige aumenta em 23 vezes as chances de sofrer ou provocar colisão. É a quarta principal causa de acidentes de trânsito no Brasil e no mundo.
Esse teclar constante captura a pessoa para um espaço virtual fazendo com que, muitas vezes, perca o contato com a realidade física. Temo que, até durante as refeições, prefiram teclar para seu acompanhante a falar com ele ou pior a companhia em carne e osso seja menos interessante do que a virtual.
Empobrecimento da capacidade mais humana que possuímos. Tudo me parece superficial, breve e rápido. Por outro lado, e talvez na mesma proporção, a capacidade para escutar o outro parece estar diminuindo. Não somos melhores ouvintes, a experiência da digitação de mensagens coloca o receptor na condição de leitor.
Estamos perdendo a capacidade de escutar atentamente o outro. Quando se tecla, o tempo de resposta se dá no tempo do outro e isso pode ser um flagelo para quem espera, pois a expectativa é que o outro responda imediatamente, no tempo de quem digita. Se o outro estiver conectado no mesmo tempo, sorte, senão a mensagem estará lá e será respondida, ou não, num outro tempo.
Vai se perdendo também a capacidade de “ler” os sinais das expressões faciais, pois as pessoas não têm fisionomias emoticons. Os sentimentos humanos são muitos e não raramente contraditórios. Difícil escolher aquele que melhor defina determinada situação. Por vezes devem ser vários os emoticons para a mesma situação e ainda deve-se contar que o receptor seja ótimo intérprete, senão, fica por isso mesmo, “eu escrevo e o outro finge que entende” e acaba por aí. No Facebook só há a opção “Curtir” ou o silêncio, o desprezo. Não ser curtido é uma experiência chata. Dizer alguma coisa que ninguém notou é como contar uma piada sem graça que ninguém ri e deixa o contador constrangido.
Pior do que perder a percepção do outro, é perder a conexão consigo mesmo. Tornar-se incapaz de reconhecer as sensações do próprio corpo e os próprios sentimentos em relação às coisas e às pessoas. Se não for capaz de reconhecer os sentimentos e sensações em si mesmo, o que dirá no outro. Falta o sentir, depois vem o verbo. Parece que a humanidade caminha a passos largos nessa direção – evitando sentir e não falar.
Agora, transporte tudo isso para o ambiente organizacional. São muitos os desafios dos gestores de pessoas. As relações humanas nunca foram simples, porém, com o advento da “virtualização” as relações dos gestores com a equipe também precisam de atenção.
Meu pensamento é que antes que os gestores se entusiasmem com novos aplicativos e ferramentas eletrônicas, para gestão de pessoas, deve-se retroceder para o básico, a construção de vínculos. Essa ideia do Princípio KISS, acrônimo que em inglês que dizer: “Keep It Simple, Stupid” ou “keep it simple and straightforward”, também um trocadilho de “princípio do beijo” valoriza a simplicidade do projeto e defende que toda a complexidade desnecessária seja descartada.
Muito se revela através do bom e velho olho-no-olho, da escuta ativa, da atenção ao não verbal e à linguagem corporal. Fatalmente são aspectos que se perdem numa relação virtual e ou digitalizada.
Não quero fazer nenhuma apologia contra as ferramentas eletrônicas, elas vieram para ficar, facilitam a vida desde que, nós as dominemos e não o contrário. Percebo as pessoas escravas de seus aparelhos, alguns até adoecem se ficam sem conexão. Como se estivessem abandonados ou excluídos do universo. Será?
Segundo o “American Journal of Psychiatry”, mais que vício, o uso excessivo de internet pode ser considerado distúrbio mental. “Viciados” podem perder a noção do tempo chegando a esquecer de comer e dormir. Comportamentos exagerados podem levar ao isolamento social. Quem não vive sem o aparelho celular também é chamado de nomofóbico. Na Inglaterra, esse termo surgiu para designar o mal que afeta cerca de 76% dos jovens do país.
A atenção para a criação de vínculos é importante, mesmo que sejam virtuais ou a partir deles. Nem sempre as relações são satisfatórias e isso acontece não só em função de “com quem” mas também do “como” nos relacionamos e variam de acordo com a qualidade, a consistência, a constância, o significado a força.
O ambiente digital online oferece condições ideais para que as pessoas se expressem e isso pode trazer oportunidades e ameaças. Há redes mais focadas nas relações profissionais, visando a exposição das experiências no mercado de trabalho e a participação de grupos relacionados a tais interesses, o que tem facilitado muito os processos de recrutamento e seleção e até, em muitos casos, encurtando o caminho para localizar pessoas que sejam facilitadoras para aproximar profissionais e ou empresas com interesses afins.
Quanto às ameaças, a mídia especializada informa: “Cuidado com sua imagem 2.0”. Empresas de recrutamento e seleção utilizam informações das redes sociais para analisar perfil dos candidatos. Tudo pode ser utilizado contra você. Comentários negativos sobre a empresa, vazamento de informações sigilosas, opiniões desdenhosos sobre líderes e gestores. Demissões decorrentes de postagens viraram lugar comum. Certamente não é nesse espaço que se pode dizer tudo o que se pensa.
Há outras redes em que a proposta é mais social e se vê de tudo. Disseminação de pensamentos filosóficos, imagens agradáveis, paisagens bucólicas, refeições em andamento, desabafos, piadas, pensamentos comunitários, compartilhamentos de ideias e ideais nem sempre praticados por quem os posta. Parece um mundo de fantasias, sorrisos, festas, viagens. Celebridades anônimas se mostrando para quem quiser ver. Pode-se até pensar que as pessoas sejam mesmo “janelas abertas” para o mundo.
Ao meu olhar, sob os Avatares sorridentes, parece mais uma tentativa de fuga da realidade, a busca da satisfação imediata, do ser visto, notado, da relação sem compromisso, do contato sem profundidade, lazer, para o indivíduo e distração fácil e garantida no ambiente de trabalho. Por outro lado é enorme o potencial de negócios cibernéticos, impensáveis há bem pouco tempo, pois é possível monitor tudo através das tantas ferramentas de informações e inteligência sob inocentes cliques. Sabia que câmera de vídeo do seu computador pode ser ligada remotamente sem que você saiba? Que você certamente já conversou com robôs e nem se deu conta? Já recebeu como resposta a alguma informação postada na internet a seguinte pergunta: “Você é humano?” Há pesquisas nesse “cyberterreno” de arrepiar.
Mas o tema do vínculo é desafiador, voltemos a ele, porque, de fato, se expor para o outro, gera diversos sentimentos: medo, ansiedade, angústia, prazer, alegria, cooperação, cumplicidade, competitividade, inveja, etc. Assim, o ato de se relacionar ou de criar vínculo implica no exercício de estar atento a si e ao outro e cuidar dessa relação. O que de fato não acontece nas redes sociais. O exercício é individual, a pessoa posta o que ela quer sem se preocupar com o outro. O outro ou outros da sua rede de relacionamento, em muitos casos, é um desconhecido.
É fato que em muitas ocasiões é mais fácil falar sobre situações difíceis com estranho. Isso realmente promove a sensação de alívio, mas no caso virtual a exposição atinge escalas gigantescas correndo o risco da pessoa sofrer “bulling eletrônico” ou “Cyberbulling.”
Voltando então para as relações não virtuais, para o simples, o básico, que é a proposta deste artigo. Como construir vínculos, a base dos relacionamentos humanos? Como melhorar a comunicação entre as pessoas em todas as esferas?
Não há milagres, mas pequenos atos podem interferir positivamente na qualidade dos relacionamentos. Surpreenda-se, não há nada de novo nisso, não se trata da inovação das comunicações, apenas o básico. Seguem algumas dicas ou sugestões que acredito poderão fazer diferença:
- Olhar e perceber a pessoa com quem você mantém uma conversa, por mais breve que seja. O olhar é a maneira mais poderosade inclusão e seu contrário também é verdadeiro;
- Dirigir-se às outras pessoas com gentileza, utilizar palavras como “por favor”, “obrigada”, demonstrando a capacidade de reconhecimento de um préstimo;
- Elogiar com palavras gentis;
- Cumprimentar as pessoas com quem você convive, nos elevadores, corredores, em salas de reunião, em casa, os pais, osfilhos, os irmãos, os vizinhos.
- Respeitar as diferenças, desenvolver a capacidade empática. As pessoas são diferentes. Às vezes digo para alguns pais que nãoprecisa enviar o filho para uma experiência no exterior, mande-o para a casa de um amigo por uns dias e ele já perceberá as diferenças.
- Evitar o modo “multi e automático” quando iniciar a conversa com alguém. Não seja mecânico. Privilegie aquele momento e sóaquele momento. Mantenha o foco naquilo que esta fazendo, principalmente se envolver outra pessoa.
- Escutar o que o outro está dizendo. Evitar interromper quem está falando e aguardar que finalize o raciocínio antes deresponder.
- Evite julgar o outro e fazer críticas desnecessárias. A sensibilidade é fundamental.
Por parecer relativamente simples as pessoas não costumam dar muita atenção para esse tipo de comentário, entretanto, se vale como estímulo, não somos nada sem os outros. O ser humano é naturalmente gregário e a vida em sociedade permite o amplo aprendizado, consigo e com os outros.
Conseguimos nos desenvolver e melhorar como seres humanos através das relações com o outro. As pessoas percebem, assim como você, quando alguém está verdadeiramente interessado no que você diz.
Precisamos do outro para saber se crescemos, o outro é que nos informa, direta ou indiretamente, sobre a nossa própria evolução e adequação social, favorecendo o autoconhecimento.
Assim, não espere que o outro dê o primeiro passo para começar a agir de maneira mais gentil e cordial. Talvez no início alguns até achem estranho, mas se o que foi dito neste artigo fizer sentido para você coloque em prática.
Adriana Gomes: Diretora do site WWW.vidaecarreira.com.br , Coordenadora do Centro de Carreiras e do Núcleo de Estudos e Negócios em Desenvolvimento de Pessoas da ESPM