Alta rotatividade: por que há tanto entra e sai nas empresas

Por Roberta De Lucca para a #Trendings 
com a colaboração de Adriana Gomes

Especialistas em carreira falam sobre o momento atual do mercado de trabalho, que passa por uma transição de adaptação a um novo modelo de relação entre empregado e empregador

“Manda quem pode, obedece quem tem juízo.” Durante décadas o mundo do trabalho era regido por essa máxima. O cidadão entrava em uma empresa no degrau mais baixo e se aposentava alguns degraus acima ou quase no topo. Essa regência de carreira não existe mais e quem trabalha bem se dá bem, mas sem que para isso precise fincar raízes em uma organização. 

“Na década de 1980 começaram os movimentos de enxugamento de empresas e com eles veio o discurso de que o profissional deveria ser o gestor da sua carreira. Até então as pessoas não sabiam o que era isso e passaram a pensar mais na carreira”, explica Adriana Gomes, coordenadora nacional da área de Carreira e Mercado da ESPM.  

De lá para cá esse autogerenciamento foi sendo conquistado pelos profissionais e quem chega ao mercado de trabalho hoje já vem moldado a essa maneira de atuar. O resultado são pessoas que assumem um protagonismo que o próprio contexto organizacional força a acontecer, tomando a frente das coisas, fazendo, realizando e tendo como princípio não engolir sapo e se sujeitar a gestores com os quais não há “liga”. Isso tanto é verdade, “que cerca de 80% dos pedidos de demissão ocorrem por incompatibilidade com a liderança”, comenta Bruno Carramenha, professor no Máster de Gestão e Comunicação Empresarial Transmídia da ESPM e sócio-diretor da 4CO – Cappellano & Carramenha Comunicação e Cultura Organizacional.

Para as empresas que tanto estimularam esse perfil o cenário atual é de “meio do caminho”. “Estamos em um momento de transição de pós modernidade e o que se procura construir é a simbologia que as empresas têm na vida das pessoas. Por isso há a construção de um ideal de trabalhar na empresa X “, diz Bruno. Para manter funcionários as organizações apostam no employer branding, uma estratégia para criar no indivíduo uma percepção de que determinada corporação é um bom lugar para se trabalhar. Por isso, empresas como Google, Facebook e LinkedIn são tão almejadas. Todo mundo quer, nem todo mundo fica e quem sai ganha uma estrela dourada no currículo. 

“Um ambiente atraente para reter os profissionais com oferta de gym pass, salas de descompressão, espaço para jogos e refeitórios bacanas faz a cabeça dos mais jovens e não é nada além de estratégia para o profissional ficar na empresa. Só que no dia a dia ele tem que trabalhar muito para entregar e se ele não entrega cai fora, porque o ambiente legal pede uma entrega”, afirma Adriana.

Nesse modelo de conquista que remete a uma visita à fábrica de chocolates de Willy Wonka, a realidade, em muitos casos, é que o profissional percebe que a empresa é legal até a página 2, porque ele tem de cumprir muitas tarefas e trabalha muito. “É ruim quando a organização trata o funcionário como uma criança, dando salgadinho e games, e cria uma simbologia de uma relação que não se confirma no exercício do trabalho. A incoerência na experiência é prejudicial, porque ela acontece na relação que se estabelece com a liderança”, explica Bruno, afirmando que a empresa tem que repensar a estrutura porque a relação tem que ser equilibrada. 

Nesse repensar tem de haver o grande trabalho de treinamento de gestores, já que muitos são fruto de uma promoção precoce, feita justamente para reter esse funcionário. “Há gestores juniorizados que não têm experiência e não sabem lidar com conflitos, com crises e nem com eles mesmos, e descontam a pressão nos outros”, afirma Adriana. Conhecer a si próprio, desenvolver soft skills para saber trabalhar em grupo e lidar com a diversidade é uma trilha a ser percorrida, mas isso não soluciona a alta rotatividade nas empresas. 

Segundo Bruno, o jovem de 20 anos hoje provavelmente vai ter umas 20 ou 25 experiências de emprego, o que corrobora que não faz mais sentido pensar numa construção de carreira como antigamente e, principalmente, que as empresas estão passando por um período de ajustes do modelo de trabalho. “O novo profissional está comprometido com o agora e isso produz laços mais leves e frágeis entre empregado e empregador. Estamos testando modelos alternativos como sociedade e também nas estruturas operacionais. Vejo que o futuro se aproxima mais da ideia do trabalho projetizado (de o profissional ser contratado para um determinado projeto), terceirizado e uberizado”, conclui. 

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