O futuro das carreiras: Work in progress!

Por Adriana Gomes para a Revista ESPM – Edição 118

Menos de 5% das carreiras são candidatas à automação total. Isso quer dizer que grande parte das atividades profissionais precisará se reciclar e aprender a utilizar novas tecnologias para continuar existindo. Então, mãos à obra! 

O futuro sempre é tema para especulações. Na maioria das vezes, as previsões carregam incertezas e costumam falhar, em especial aquelas relacionadas a carreiras e profissões. Desde que comecei nessa dinâmica área, há quase 30 anos, os jornalistas anualmente costumavam fazer perguntas sobre o futuro das profissões e sobre as profissões mais promissoras, no afã de aplacar a ansiedade dos pais e seus jovens filhos no difícil momento de escolher uma carreira profissional para prestar o vestibular. 

O cenário atual não é diferente. É apenas mais abrangente, pois engloba pais ansiosos pelo futuro dos seus filhos e também pelo próprio futuro. Isso porque muitos desses pais vivem hoje uma série de dramas e questionamentos em relação ao futuro da própria carreira e ainda têm de lidar com o fator longevidade — o que acrescenta mais dúvidas a um momento de vida no qual muitos profissionais pensavam em encerrar suas atividades. Agora, esses profissionais, já seniores, estão tendo de revisitar suas escolhas e até optar por mudanças de carreira. 

Além da longevidade — nunca vivemos tanto quanto hoje —, a crescente aceleração das tecnologias em velocidade exponencial, e não mais linear, impacta a todos. Todas essas mudanças alteram significativamente nossa percepção de futuro, afetando nossas atitudes diante das expectativas de vida e carreira. 

A inteligência artificial, que anos atrás era uma ideia distante, hoje está na palma de nossas mãos. Já nos acostumamos com os aplicativos que facilitam nossa vida e já somos atendidos por robôs, com alguma naturalidade. Aqueles que, como eu, já passaram dos 50 precisaram se adaptar a inúmeras transformações tecnológicas ao longo dos anos. Conversando com amigos, lembramos do telefone fixo de teclas e do quanto já foi difícil, neste país, ter uma linha de telefonia fixa. Hoje, te empurram, num combo ilegal, o tal do telefone fixo, que nem sequer sei o número. Já passamos pelo fax, que agilizou muito os negócios naquela época. Nosso mundo é altamente conectado e existe a perspectiva de que o volume de dados alcance a casa dos 40 mil Exabytes — 40 Zettabytes, ou ainda 40 trilhões de Gigabytes —, como aponta o gráfico da página 22. 

E a pergunta é: o que faremos com tantas informações? Aqui temos um desafio e inúmeras oportunidades! 

Sempre digo que nunca estamos exatamente preparados para determinadas situações. Vamos aprendendo a 

lidar com elas, na medida em que se apresentam. Acredito que nem os mais promissores futuristas conseguiram imaginar a realidade como ela é hoje, ainda que os Jetsons — desenho animado criado em 1962 que se passa no ainda distante ano de 2062 — tenham sido uma boa tentativa. As teleconferências figuravam entre as novidades incríveis apresentadas pelo desenho na época. Hoje, 58 anos depois da estreia dos Jetsons na TV, essa realidade já é tão trivial em nosso dia a dia, que não precisamos mais esperar o ano projetado pelo desenho. 

Outras inovações ainda estão a caminho, mas robôs interagindo com humanos também já são realidade. Certamente, você já deve ter interagido com a Siri, o Alexa, o Bixby ou o Google. Mas é o Pepper, um robô social humanoide, que nos aproxima ainda mais da realidade dos Jetsons. Primeiro desse tipo no mundo, esse robô está programado para reconhecer rostos humanos e possui emoções básicas. Sua inteligência artificial permite que ele interaja com os seres humanos por meio de sua interface touch screen e até mesmo em conversas. Os “carros voadores” já estão na prancheta: a startup Lilium Aviation apresentou em maio de 2019 um protótipo de táxi voador de cinco lugares. Totalmente elétrico, o modelo conta com dois pares de asas, decola verticalmente, atinge até 300 quilômetros/hora e tem autonomia de 300 quilômetros. Em outubro, foi realizado o primeiro — e bem-sucedido — teste. Quem sabe seja realidade, como as videoconferências até 2062! 

Nosso futuro é incerto e pode-se adotar postura positiva ou catastrófica diante dele. A segunda, inclusive, consegue ganhar as telas dos cinemas, projetando cenários calamitosos, pós-apocalípticos, com sociedades destruídas e muitas vezes voltando a humanidade aos períodos medievais. A postura mais positiva nos coloca como seres mais conscientes, que dominam melhor as emoções ou simplesmente as subtraem — como se as emoções fossem causadoras dos males sociais. Nas telonas, histórias sobre o futuro unem todo tipo de tecnologia para melhorar a qualidade de vida, ou ainda nos enviam para novas galáxias, aludindo que talvez a terra não seja mais um lugar amistoso. Enfim, especulações. 

Projeções e especulações são válidas, pois muitas vezes a vida acaba mesmo imitando a arte. Já existem organizações trabalhando para entender como poderá ser o futuro do trabalho no mundo, como o Center for the Future of Work™, que se propõe a examinar como o trabalho está mudando e mudará em resposta ao surgimento de novas tecnologias, novas práticas de negócios e novos trabalhadores. 


Nem os mais promissores futuristas conseguiram imaginar a realidade como ela é hoje, ainda que o desenho animado dos Jetsons, de 1962, tenha sido uma boa tentativa 

O McKinsey Global Institute também está conduzindo um programa de pesquisa, em andamento, sobre tecnologias de automação e seus possíveis efeitos. Um novo relatório da MGI, Um futuro que funciona: automação, emprego e produtividade, destaca várias descobertas importantes. Levando em conta a base na modelagem de cenários que eles utilizam, estima-se que a automação possa aumentar o crescimento da produtividade globalmente de 0,8% a 1,4% ao ano. 

Outro ponto que vem ao encontro do que acredito em relação ao mercado de trabalho é o fato de que quase toda ocupação tem potencial parcial para automação, pois, como afirmam os pesquisadores, menos de 5% são candidatas à automação total. Isso quer dizer que grande parte das atividades profissionais precisará se reciclar e aprender a utilizar novas tecnologias para continuar existindo. 

Já vejo isso acontecendo com profissionais que oriento em meu consultório, como médicos, advogados, engenheiros, jornalistas, que estão buscando conhecer melhor essa tal de IA, por exemplo, que está mudando a maneira de atuar desses profissionais. Uma cliente médica sênior, angustiada com o futuro da sua vida profissional, procurou-me com o intuito de ajudá-la 

no processo de mudança de carreira, e o caminho que encontramos foi o da sua associação às novas tecnologias para ressurgir, como uma fênix, uma nova profissional, aliando seus profundos conhecimentos técnicos da área de diagnósticos por imagem com essa tecnologia. 

Houve muitos investimentos em congressos internacionais, cursos, eventos, estudos, mas em pouco tempo ela já se tornou referência em IA na sua área de atuação. 

Sempre digo aos meus alunos para ficarem atentos às suas atividades, pois, se elas puderem ser substituídas por robôs, certamente serão. Os robôs e os computadores podem realizar uma série de atividades físicas de rotina, de um modo melhor e mais econômico que os humanos, como também são cada vez mais capazes de realizar atividades que incluem capacidades cognitivas, consideradas anteriormente muito difíceis de serem automatizadas com sucesso, tal como fazer julgamentos tácitos ou sentir emoções. Voltemos ao Pepper. 

Não vejo nem um futuro catastrófico — como muitos preconizam e geram terror nas pessoas, com previsões alarmantes de extremo desemprego —, nem um futuro tão poético no qual a sociedade do trabalho mude radicalmente e passe a viver em plena harmonia. Há, como sempre houve, angústia e ansiedade frente ao novo e acomodação com o passar do tempo. Os espaços entre eles é que tendem a ser cada vez menores, o que vai exigir de cada um de nós mais resiliência. 

Para ilustrar minha tese, convido-o a pensar como você sentiu quando mudaram o sistema operacional da sua empresa. Quando teve de baixar um aplicativo pela primeira vez? Precisou aprender uma nova atividade? Começou um novo trabalho? Ou ainda fez algo novo pela primeira vez? Esses sentimentos e sensações (como impasse, um pouco de insegurança, ou muita, certa euforia misturada com medo e até a surpresa) farão cada vez mais parte de suas experiências daqui para frente. 

Será preciso, principalmente para aqueles que não são nativos digitais, baixar a guarda frente ao novo, resgatar a humildade, que nem sempre acompanha os mais seniores, para aprender com os mais jovens (esta, sim, é uma inversão cultural das brabas!), enfrentar a quebra de paradigmas, esquecer um pouco a questão das hierarquias rígidas e as formalidades nas relações de trabalho. 

Pense na explosão de espaços de trabalho compartilhados — coworkings, reunindo em um mesmo local pessoas que não necessariamente trabalham para a mesma empresa, com ambientes pensados para o trabalho autônomo e muito networking com pessoas de diversas áreas, idades, gêneros, ideias. Um salto para a diversidade. 

Outro importante fator de mudança nos ambientes de trabalho será a convivência com profissionais de várias gerações. A longevidade é realidade, mas as políticas de diversidade das empresas ainda não incluem esse recorte — das faixas etárias —, o que sugere que, daqui para frente, apesar de algumas iniciativas bem intencionadas de programas empresariais contratarem os 50+, ainda teremos de lidar com mais esse preconceito, o idadismo (preconceito com pessoas mais velhas). 

Apesar de pouco conhecido, o termo foi cunhado pela primeira vez em 1969 por Robert Butler, então diretor do National Institute on Aging dos Estados Unidos. Mais recentemente, em 1995, Butler definiu idadismo como sendo um “processo sistemático de estereotipagem e discriminação contra as pessoas mais velhas”. 


Pepper, o robô social humanoide, que nos aproxima da realidade dos Jetsons, está programado para reconhecer rostos humanos e apresentar emoções básicas 

Em relação ao fator senioridade e mercado de trabalho, a minha avaliação é a de que os próximos dez anos serão os mais difíceis para os 50+, pois irão representar a fase da ruptura com os padrões estabelecidos e quebra das primeiras barreiras contra o preconceito. O mercado tende a se acomodar e a identificar vantagens na incorporação dessa nova categoria de profissionais. 

Outro fator positivo em relação ao mercado de trabalho é que, historicamente, os avanços tecnológicos geraram mais empregos do que destruíram. A Oxford Martin School e a Person, empresa de educação, promoveram o estudo Future Skills. Realizado nos Estados Unidos e no Reino Unido, o relatório analisou tendências como a urbanização, o aumento da desigualdade, a incerteza política, as mudanças tecnológicas, a globalização e a sustentabilidade ambiental, que nesse estudo são consideradas detentoras do poder de influenciar o futuro das habilidades e do emprego em 2030. É interessante visitar o site para conhecer mais a fundo os parâmetros da pesquisa, que combina a experiência humana com machine learning e permite realizar previsões direcionais quantificáveis para o crescimento das ocupações. Além disso, também identifica quais habilidades e conhecimentos serão necessários, e aqueles que provavelmente sofrerão crescimento ou declínio.

Você conseguirá descobrir, segundo a base de pesquisa deles, quais habilidades serão necessárias, em 2030, para ter sucesso no seu trabalho atual. 

Para minha sorte, nessa pesquisa, minha vida como educadora para nível superior tem 80,6% de chance de crescimento até 2030. 

Vamos em frente! O futuro está em nossas mãos para ser construído. Trabalho não nos faltará! 

Adriana Gomes 

Mestre em psicologia social e do trabalho, diretora do site 

www.vidaecarreira.com.br e autora dos livros Tô perdido! Mudança e gestão da carreira (QualityMark, 2014) e Mudança de carreira e transformação da identidade (LCTE, 2016)

Deixe um comentário