(*) Arthur Meucci
Este artigo sobre ética corporativa tem como objetivo refletirmos sobre questões pertinentes, impertinentes, de consenso ou polêmicas sobre a complicada relação entre as práticas com orientação ética e o mundo do trabalho corporativo. Relações marcadas por tentativas de aproximação e por distâncias nos conflitos entre virtudes morais socialmente aplaudidas e a satisfação de interesses egoístas que comprometem o bem de acionistas, trabalhadores, clientes, entre outras inúmeras partes envolvidas.
Mas o que estamos entendendo por ética aqui? Minha abordagem faz juz ao pensamento filosófico tradicional sobre o conceito. Um estudo sobre as ações humanas, sobre as inúmeras possibilidade de agir e viver. Diferente de todos os outros seres vivos que compõe nosso mundo, o homem é o único ser que precisa pensar para existir. Cachorros, gatos, aves, peixes, árvores, flores, bactérias e inúmeros outros seres não precisam decidir como devem viver. Simplesmente seguem seus instintos, vivem como a natureza os programou. Eles não agem de forma certa ou errada, nem possuem dilemas morais. Seus sistemas biológicos acharam respostas automáticas para as dificuldades que o mundo apresenta.
Entretanto, o homem é sensivelmente diferente dos outros animais. Não nasce pronto, nem vem ao mundo com um manual de instrução. Tão pouco possui suporte técnico oferecido pelo fabricante. O ser humano nasce despreparado para a vida. Precisa, no início da existência, que outros cuidem dele. Necessita que o alimente, que o eduquem e que o preparem para a vida. Ensiná-lo a fazer escolhas em detrimento de outras, afinal todos sabem que o mundo nele mesmo não tem setas nem placas sinalizadoras dizendo o certo e o errado como fazem as placas de transito. O bom caminho não é dado pela natureza, ele é construído durante nossas vidas. Exatamente como fazemos com nossas casas, nossa família, nosso trabalho e assim por diante. Não temos hábitat natural, nem instinto que oriente as relações sociais.
Diante desta terrível constatação de fraqueza, de desamparo natural, mentimos para nós mesmos sobre nossa ilusória superioridade natural em relação aos demais animais e passamos a viver como podemos. Nos relacionando, estudando e trabalhando conforme as oportunidades surgem. Durante a vida temos que escolher profissões, formas de gerenciamento do trabalho, atitudes em relação aos colegas, tratamento com fornecedores e clientes, tudo aquilo para o qual não há respostas prontas, nem nunca haverá. Uma vida estranha, não natural, que precisa ser construída com muito trabalho, mesmo para aqueles que se esforçam em não precisar se esforçar.
Nesta saga cotidiana que os homens enfrentam muitas são as possibilidades de escolha. Poucos são os bons caminhos disponíveis para se seguir. Afinal, como não sabemos as respostas a priori, as chances de errar sempre serão grandes. Só temos a razão, esta pequena parte que nos constituí, como guia frente as diversidades. Ela pode não ser lá grandes coisas frente ao inconsciente e as dificuldades do mundo, porém, quando bem exercitada e utilizada, pode nos oferecer perspectivas de qualidade frente as nossas necessidades.
Termino a apresentação chamando a atenção para o fato de que sendo o homem um animal que não nasceu pronto, que se faz durante sua existência no mundo, ele se define para os outros através de suas escolhas, de suas atitudes, da forma como ele se coloca. A ética é uma característica tipicamente humana não só por tratar de ações racionais, mas também por definir quem realmente somos.
O leitor sabe que um discurso sobre si-mesmo, sobre a própria identidade, é pouco eficaz para nos definir frente as nossas ações e escolhas. Se dizer um funcionário que faz mais que o possível e não conseguir chegar no horário de trabalho, ou se definir como diplomático e logo depois bater boca com o cliente revela dissonância entre discurso e prática. E, no final, sabemos que as ações contam mais do que palavras. Vitória da ética sobre o marketing pessoal.
Por Arthur Meucci
Mestre em Filosofia (USP) e Psicanalista (IBCP), é consultor do Espaço Ética e professor de negócios da Universidade Paulista. É colunista de Ética da revista Filosofia Ciência e Vida e coautor, com Clóvis de Barros Filho, do livro A vida que vale a pena ser vivida, Editora Vozes. www.meucci.com.br