Quem faz orientação de carreira ?

* Adriana Gomes

            Temas relacionados à carreira tiveram um grande desenvolvimento na última década, principalmente em função das questões do emprego, ou da falta dele. O desemprego, a mudanças nas relações de trabalho, a deteriora-
ção das relações profissionais a falta de perspectivas transformou a questão do trabalho num problema de grandes proporções e de enorme impacto social de relevância global.

            Em minhas pesquisas para o mestrado, tive grande dificuldade de encontrar artigos sérios sobre o tema até final da década de 80, principalmente sobre a realidade brasileira, mas nos últimos anos tenho percebido uma proliferação de livros, artigos, cursos, sessões de jornais e revistas se debruçando sobre o tema. Sendo um problema de ordem social e não individual, é até natural perceber o crescimento do interesse pelo assunto, entretanto, o que me preocupa é a qualidade da orientação que se oferece aos profissionais, estejam eles escolhendo uma profissão, em dúvida com relação a vida profissional, fazendo uma segunda escolha ou mesmo desempregados.

            O público que atendo em meu escritório é formado principalmente por adultos, ou seja, pessoas que já fizeram uma escolha profissional, que já iniciaram ou concluíram pelo menos uma graduação, alguns até muito bem posicionados profissionalmente e outros desempregados numa faixa etária aproximada entre 25 e 55 anos. Esse tem sido o meu universo de atuação nos últimos 19 anos.  Vivi e acompanhei algumas grandes transformações que afetaram e mudaram o mercado de trabalho como programas de downsizing, planos de demissão voluntária de grandes corporações, implantação de programas qualidade total e tive a oportunidade de acompanhar a história de vida de centenas de pessoas.

            Além disso, estudei e estudo muito. Não só psicologia clínica e psicologia social, pois essa questão, como afirmei anteriormente é social, mas também adquiri grande conhecimento operacional de vários segmentos de mercado, pois como headhunter, estava junto ao corpo diretivo de empresas nacionais e multinacionais para a definição, orientação, recrutamento e seleção de profissionais desde o nível técnico até o primeiro escalão organizacional nos mais diversos cargos e áreas.

            Esse relato não é uma auto-promoção, mas é sim um relato do tempo que leva para um profissional se tornar capaz de realizar um trabalho sério de orientação profissional e de carreira. Minha preocupação recaí sobre os oportunistas de plantão que vêem, nesse momento de desamparo, angústia e até confusão de um profissional a chance de se aproveitar desse momento de fragilidade.

             Há empresas que oferecem cursos de formação de “Coach” de uma semana. Fornecem certificados e em alguns casos não é exigido dos participantes, nem formação superior e saem de lá acreditando que podem atuar como profissionais da área de carreira.  *Esses cursos apresentam a possibilidade de transformar um profissional de qualquer área de atuação, em um orientador de carreira, num curto período de tempo.  E isso é assustador.

Há pessoas que percebem a facilidade para atuar nessa área também por falta de regularização da profissão. O livro da jornalista norte americana Barbara Ehrenreich, Desemprego de Colarinho Branco, ed.Record, apresenta um cenário dramático, também nos Estados Unidos, quando afirma:


“Os coaches, cujo número vem dobrando a cada três anos, são o      coração da ”indústria de transição” que cresce desde meados da década de 1990, como uma resposta talvez inevitável ao desemprego de colarinho-branco(…)alguns instrutores têm treinamento formal por meio de programas como o curso de 15 semanas da Career Coach Academy; outros são totalmente leigos no assunto. Uma pessoa pode dizer que é coach sem qualquer credenciamento para isso, e não existem agências reguladoras que fiscalizem o trabalho dessa pessoa — o que significa que, para quem procura emprego, é uma questão de sorte.”

Há também distinções apresentadas entre o coaching e psicoterapia, apresentando a primeira como auxílio no desenvolvimento de competências comportamentais e também na manutenção do foco para a realização de objetivos, enquanto que a psicoterapia ajuda a aliviar sintomas físicos e psicológicos, cura emocional do sofrimento mental.

Fazendo numa leitura rápida do apresentado acima, as linguagens são diferentes, os termos psicológicos podem até impressionar os mais desavisados, enquanto que a terminologia organizacional é mais amena e palatável, mas o fato é que o objeto  em foco são pessoas que sofrem com as questões do trabalho. Sejam elas CEO´s, Gerentes, Supervisores, coordenadores, analistas, trainees, estudantes de graduação, recém-formados ou desempregados. O sofrimento pela falta de perspectiva, pela angústia diante de decisões a serem tomadas, por pressões no ambiente de trabalho, pelas incertezas em relação condução da carreira não são diferentes. Continuam sendo dores e sofrimento.
Dicifilmente alguém que se encontra adequado na atividade profissional que desempenha, feliz, sentindo-se satisfeito, realizado e com boas perspectivas, busca o trabalho de um coach. Sempre há alguma tensão, por mais simples seja ou que pareça.  Em minha experiência, não consigo compreender alguém que só desenvolva competências e deixe de lado todo o restante da sua vida (afetivo, emocional, social, familiar). Tenta-se segmentar o que não é segmentável. Não precisamos de mais especialistas em generalidades, mas precisamos sim de pessoas que tenham visão global do indivíduo, que tenham formação em psicologia e amplos conhecimentos sobre o mercado de trabalho e experiência para ajudar esse exército de pessoas que sofrem em relação a um problema que tem sua origem no processo de transformação do global das relações de trabalho.
Justifico a formação em psicologia, pois em minha experiência, muitas pessoas dão início ao trabalho de orientação, queixando-se apenas de questões bastante objetivas, como salário, dúvida sobre planejamento da carreira, mas com um pouco mais de exploração da situação, cerca de 90% dos casos, esbarram em questões subjetivas e emocionais de toda ordem, para as quais considero que só um profissional com formação adequada pode realmente dar conta de lidar com os conteúdos que surgem e mesmo assim, muitas vezes, ainda preciso de profissionais da área médica, para fazermos um trabalho em conjunto. Não estou falando de casos raros, mas que começam com um aparente desânimo para se levantar e voltar ao trabalho às segundas- feira.
A questão é séria. Vale a pena entender e refletir sobre o cenário que temos a nossa frente bem como sobre as conseqüências de certos abusos que se incorporam ao nosso cotidiano como um elemento inofensivo e que pode ser um grande engodo.

* Adriana GomesMestre em Psicologia – UNIMARCO, pós-graduada em Psicologia Clínica, Psicóloga de formação, (CRP 30.133), carreira de 19 anos nas áreas organizacional e clínica (Psicoterapia e Orientação de Carreira). Ex-vice-presidente do Grupo Catho, empresa onde atuou com Executive Search e Outplacement. Professora do curso de pós graduação da ESPM na Cadeira de Gestão de Pessoas e Técnicas de Negociação; Professora do Instituto Pieron de Psicologia Aplicada, membro da ABOP – Associação Brasileira de Orientadores Profissionais, palestrante e Diretora do site www.vidaecarreira.com.br

*ver também artigo de Rodrigo Gerhardt  da Folha de S.Paulo 11/11/2004  “Coaching” ajuda a atingir metas, mas especialistas fazem alerta

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