Adriana Gomes
“Há que se considerar, também, que os acontecimentos dramáticos que se observa universalmente, quer se trate da deteriorização da condição física, psíquica e cultural de grande parte da humanidade, da violência, dos conflitos que minam todos os patamares da sociedade, das ameaças que planam sobre o equilíbrio ecológico e do globo e do estado de confusão que reina ao nível dos valores morais e éticos, exigem imperiosamente que nos interroguemos, com maior rigor, sobre as conseqüências do triunfo do economismo de vista curta e sobre as finalidades da empresa, instituição que acabou por se transformar no pivô em torno da qual todas as outras instituições gravitam”.
Alain Chanlat
Durante uma palestra, ouvi o orador falar sobre pesquisas que indicavam o quanto nossa sociedade estava se tornando hedonista, no sentido de que as pessoas “dão” cada vez menos e querem receber cada vez mais. Fiquei refletindo um pouco sobre a questão e de fato percebi que a postura hedonista parece mesmo estar se enraizando em todos os meios.
Já havia feito algumas leituras sobre o narcisismo da sociedade atual inclusive no livro de Lash,(1983) quando ele traça o perfil do homem narcisista como alguém que não acredita no futuro, é pressionado pelo individualismo competitivo, ansioso, entediado e cínico. Para ser confiável depende de rígidos controles externos. Torna-se, portanto uma cultura volátil, produzida para consumo imediato. Parece-me que as duas teses são complementares.
Hedonismo, segundo o dicionário Houaiss é : “cada uma das doutrinas que concordam na determinação do prazer como o bem supremo, finalidade e fundamento da vida moral, embora se afastem no momento de explicitar o conteúdo e as características da plena fruição, assim como os meios para obtê-la.”
Essa questão do prazer a todo custo, do “Eu primeiro”, da falta de percepção do outro em todas as relações, afetivas, profissionais, sociais e até sexuais, parece chegar a extremos em alguns casos. Esse prazer parece-me o prazer solitário, aquele que deixa um vazio depois que se atinge o objetivo planejado, como sexo virtual. Mas gostaria de não focar apenas nas questões sexuais uma vez que o universo a que essa doutrina se aplica é infinitamente mais amplo.
Vejamos alguns exemplos e situações que essa reflexão foi me remetendo:
• As pessoas desejam ser mais compreendidas e se dispõem a compreendem cada vez menos.
• Querem ser ouvidas e ouvem cada vez menos.
• Querem praias limpas e emporcalham quando passam o final de semana no litoral.
• Querem belas áreas verdes e não cultivam nem plantas em vasinhos.
• Querem ser respeitadas e respeitam cada vez menos.
Há alguns exemplos no trânsito, que exemplificam essa situação. O motorista “Sr. EU primeiro”. Ele quer entrar na frente de todos, mas não deixa ninguém entrar na sua frente e quando, eventualmente, inadvertidamente, alguém entra na frente do “SR. EU Primeiro”, sai até briga, dessas de descer do carro no primeiro farol vermelho para tirar satisfações ou coisa pior. A mãe que para em fila dupla, atrapalhando o trânsito, porque o filho não pode dar dois passos até o carro, quando ela vai buscá-lo na escola. E quando alguém reclama por conta da tal infração, o errado é o outro, nunca ela. O filho vê essa cena e acredita que isso seja o correto.
Outro exemplo de desrespeito ao próximo, acontece em sala de aula. Alguns professores são veementemente desrespeitados no exercício de sua atividade porque alguns alunos, “Os Senhores Sabem tudo” da sala de aula, ou o “SR. Eu estou pagando”, acham-se no direito de fazer o que bem entendem, o que lhe dá prazer naquele momento, independente de um mínimo de respeito às regras de convivência, e isso pode ir de fumar em sala de aula, atender celular e falar em voz alta como se só houvesse ele na sala, desrespeitar o professor usando palavrões.
Ainda na escola, recentemente ouvi a seguinte situação real, de um aluno que foi chamado a atenção pelo professor, em uma escola particular de São Paulo, pelo seu comportamento agressivo em relação aos colegas. Sabendo disso, os pais desse aluno, foram tirar satisfações com a professora e responsável pelo curso, pois não acharam justo repreender o menino, pois ele estaria apenas se expressando. Que era direito dele se expressar livremente, pois afinal estamos num país livre. A escola, por sua vez, provavelmente com receio de perder o lucrativo aluno, deixou por isso mesmo. Ora, parece-me que está havendo algumas distorções. Que lição está sendo transmitida? Qual conduta seria esperada numa situação como esta?
Não se chega ao ponto em que nos encontramos da noite para o dia. O que encontramos em muitos adolescentes e jovens hoje em dia é resultado de muitas variáveis, mas principalmente dos exemplos que esses jovens viram e viveram em casa, na sua comunidade. Todos os dias vemos estampado nas manchetes de jornais, (se é que os jovens leem), mas ouvem nos noticiários televisivos e provavelmente em discussões de grupo sobre impunidades, sobre o quanto o respeito ao próximo é aviltado, sobre o quanto é mais importante TER do que SER. Vivencia-se uma distorção dos vínculos afetivos, a falta de limites em casa, a falta de bons parâmetros. Ouve-se e vive-se a falta de perspectiva ou de sentido no trabalho, na educação, na saúde, na vida.
Parece-me que essa falta de perspectiva, só faz pensar que esse caminho seja visto como a única alternativa, ou seja, tem-se que aproveitar hoje, pois não se sabe nada sobre o amanhã, então que se tenha prazer hoje, agora! Para quê eu vou estudar, se não tem trabalho pra todo mundo mesmo? Para quê vou me vincular se posso sofrer amanhã? Para quê dar o melhor de mim num trabalho, se posso ser mandado embora a qualquer momento?
Falta comprometimento, pois também a falta de comprometimento é fruto da falta de perspectiva. Como buscar objetivos de longo prazo numa sociedade de curto prazo? Como manter relações duráveis se o que se busca é o imediatismo?
Entretanto, acredito que seja possível mudar. . É muito difícil termos que enfrentar essa realidade, mas é possível mudar, é possível transformar. Nossa vida é transformação o tempo todo, por que não transformarmos para o melhor?
Cada um de nós pode fazer a diferença, se cada um de nós também der o melhor sem esperar nada em troca, pensando apenas que está contribuído para um mundo melhor, agindo mais eticamente, respeitando o próximo, mostrando que há alternativas, porque sempre há. É preciso, porém, olhar com mais atenção. Basta olhar com interesse genuíno, basta querer.
Eu sei que dá trabalho. Educar dá trabalho, toma tempo, exige que sejam repetidas centenas, milhares de vezes a mesma coisa. Exige atenção, envolvimento, exige sair muitas vezes da zona de conforto, exige que se escute o outro e não apenas ouça. Mas será que não vale a pena? Para que isso aconteça, o princípio hedonista não funciona, pois nele tudo é imediato, e sobre o que estamos falando, necessita-se tempo. Carinho e fé, no sentido de acreditar que podemos ter uma sociedade melhor em algum tempo.
Pense nisso.
Um abraço,
Adriana Gomes
CHANLAT, JEAN F.
O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. Ofélia de Lanna Sette Torres, org. tradução e adaptação Arakcy M. Rodrigues…et al. São Paulo, Atlas, 1996 –
LASH, CHRISTOPHER .
A Cultura do Narcisismo – A vida americana numa era de esperanças em declínio. Rio de Janeiro, Imago, 1983. –
SENNET, Richard
A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo mundo –
Muito bom o texto! Parabens!
Gostei muito dessa reflexão retrata a realidade de hoje.
sou cristã, na pesquisa para um sermão sobre esperança, me deparei com esse texto rico que com certeza, pode acrescentar mais no meu estudo. Por uma sociedade mais igual e justa a começar por nos e pelos nossos filhos.
Oi Gente, estou fazendo uma visitinha por aqui.
Gostei bastante do site, vou ver se acompanho toda semana suas postagens
Gosto muito desse tipo de conteúdo um Abraço 🙂
Interessante.
Estou no oitavo ano, e aprendendo sobre o hedonismo, adorei sua reflexão, principalmente a parte sobre respeito, chama muito minha atenção a falta de respeito que as pessoas tem com os outros.
Continue assim! Seus textos são ótimos!
Muito bom o texto! Parabéns!
A realidade de hoje é exatamente o que o canal enfatiza e reflete o dia a dia das pessoas acima dos 50 que estão vivos e fortes para o mercado e que nesse país ainda não se deu conta do potencial que tem com essas pessoas que estão paradas ou correndo atrás !!! Parabéns ao Canal!!!
Adorei o seu texto… Até concordo em existir pessoas hedonistas, desde que elas respeitem o próximo… Para mim, a palavra Respeito é fundamental na manutenção de uma sociedade, no mínimo, saudável… Excelente reflexão sobre os perigos de excesso do Ego (eu), tanto é verdade que o Egoísmo, nada mais é que o Ego doente…
A busca desenfreada pelo prazer,já considerado um “deus”,o tal hedonismo,é o principal pilar que sustenta ideologias como sexo desenfreado e desregrado achando estarem bem aproveitando a vida.Na verdade essa falta de controle e vista como um carro que anda desenfreadamente pelo prazer de dirigir e depois quebra a cara num acidente,assim como no hedonismo,pela falta de controle.